O livro “O próximo da fila”, de Henrique Rodrigues, é um romance de formação em que um jovem perde o pai, o que deixa sua família desamparada. Com o apoio de duas tias, ele e sua mãe se mudam para uma casa menor em um bairro mais acessível à sua nova realidade. Tornando-se o novo provedor da família, além dos estudos, o jovem passa a ocupar-se, também, de um trabalho numa rede de restaurantes fast-food para que possa pagar as contas e pôr comida na mesa.
O enredo é linear, ou seja, começo, meio e fim bem definidos. Apesar disso, em algumas partes da obra, o autor apresenta fragmentos, escritos em guardanapos, em que o próprio, no presente, parece comunicar-se com a história, trazendo reflexões sobre sua vida – e a vida do jovem. O início do livro também foge da cronologia: há um narrador onisciente que fala sobre um homem prestes a fazer um pedido em uma lanchonete. Tal homem é o homem que o jovem se tornou e possivelmente, de novo, o próprio autor. O capítulo sobre a mãe do garoto (sexto capítulo da primeira parte) também tem um diferencial: é uma ficção dentro da ficção, pois a história é narrada pelo próprio personagem, de forma intensa e emocional. Quanto à voz narrativa como um todo, o autor recorre ao ponto de vista do próprio jovem, ou seja, o narrador faz parte da historia.
Uma questão interessante no livro é que nenhum personagem tem nome. “Meu irmão”, “gerente de bigode”, “a baixinha”, “o negro”. Cada um deles tem suas complexidades e, segundo o Henrique, eles não têm nomes pois o importante é o papel que desempenham. E, de fato, todos são necessários para a construção do enredo e de toda a trajetória de vida do jovem, uma vez que cada um deles o impactou de forma diferente. Por outro lado, “o negro é rapidamente substituído por outro negro, por outro cristão, por outro poeta, por outro mudo ou por qualquer outro indivíduo cujo nome se escreva com inicial minúscula.” (RODRIGUES, 2015, p. 135) Esse trecho da obra ilustra como, na realidade, todo mundo é descartável – especialmente em uma sociedade capitalista e em um restaurante em que seguir o Padrão é o mais importante –, tão descartável que não há necessidade de um nome, formando, assim, uma grande contradição em relação às nossas vidas pessoais.
O cenário principal é a lanchonete em que o jovem trabalha, já que passa a maior parte de seus dias lá – tardes e noites. Henrique Rodrigues afirmou que escolheu o local (e também a história) por ser mais fácil de escrever, uma vez que ele mesmo já conhecia o ambiente, já havia certa experiência e, assim, teria mais facilidade em descrevê-lo. Outro cenário recorrente é a casa do menino, onde mora com sua mãe e irmão mais novo. Após a morte do pai, a família se mudou para uma casa de fundos, menor que a anterior. A incerteza de estabilidade reflete a realidade daquela época (era Collor), e a insegurança do garoto ao precisar estudar em um colégio público mostra o preconceito e a sensação de superioridade que construímos desde a infância. Inclusive, o autor opta pela utilização de elementos sutis de marcação temporal, como a música, literatura, economia e política, sem dizer literalmente quando se passa a história. Na verdade, o ano é citado apenas uma vez no livro inteiro, já perto do final.
A escrita do livro, por sua vez, é simples, direta, de fácil entendimento. Isso não significa, porém, superficialidade: a linguagem simples é trabalhosa, profunda, é uma tradução da complexidade. Uma escrita mais rebuscada, por outro lado, é uma estratégia de poder, representa hierarquia, é apenas discurso e, afinal, torna-se mais fácil de criar.
No final do livro, acontece uma grande reviravolta: o garoto acaba descobrindo que a sua namorada (a garota dos cabelos encaracolados) é, na verdade, sua meia-irmã. “Minha mãe sempre deu respostas evasivas todas as vezes que eu perguntava sobre como ela e meu pai haviam se conhecido (...). O mais perto disso foi quando comentou que o conheceu trabalhando” (RODRIGUES, 2015, p.161) Isso porque, após matar seu pai, a mãe e sua irmã foram levadas para um orfanato e foram adotadas. Mais tarde, elas tornaram-se incômodo na família, só davam despesa, e por isso a mãe do jovem, a irmã mais velha, começou a trabalhar na casa dos outros. Foi, mais uma vez, abusada por um homem, dessa vez pelo filho da patroa, e dessa violência nasceu o jovem. Os três se tornaram, então, uma família. O que o jovem não sabia – e nem sua namorada – era que seu pai já tinha uma filha com outra mulher, mulher essa que pegou sua filha e sumiu. Tudo isso, no livro, é explicado de forma muito rápida, em poucas páginas, o que dá um efeito impactante e surpreendente. O autor finaliza, ainda, revelando que a namorada/ irmã do jovem estava grávida dele e que se suicidou por causa disso, deixando a trama mais intensa. “O próximo da fila” é um livro que quebra todas as expectativas iniciais e construídas ao longo da obra, confirmando que a vida é sempre imprevisível, sempre uma grande surpresa.
Por Floco de Neve.
Olá Floco de Neve!
ResponderExcluirBom, no geral a resenha está boa e até bem completa, porém em certos momentos a escrita ficou um pouco confusa. É perceptível que em cada parágrafo uma característica da obra é descrita, o que é bom, porém faltou uma fluidez na escrita.
Mary-Louise P.