sexta-feira, 11 de maio de 2018

Nunca é tarde

Carlos morava no subúrbio do Rio de Janeiro com a família, vivia uma vida tranquila e sem muitas preocupações até o ensino médio, época em que as responsabilidades começaram a aparecer. Não sabia se queria ingressar em uma formação depois dali, não tinha vontade de estudar e mesmo sendo alguém reconhecidamente inteligente se sentia desestimulado.

Acabou o segundo grau e sem muitas perspectivas foi trabalhar, ele sabia que homem, nessa idade, tem que fazer algo da vida, botar feijão em casa. No entanto, Carlos era alguém desanimado e preguiçoso, passou por vários empregos e foi despedido em todos sem contar mais de um ano em nenhum.

Estava Carlos trabalhando em uma livraria no centro da cidade, não lia nada, mas conseguia trabalhar bem na área da loja dedicada à informática. Palestras e rodas de leitura com pessoas importantes e conhecidas eram comuns na rotina do local e em um desses dias a livraria recebeu um escritor para um encontro com secundaristas e uma roda de conversa sobre uma de suas obras - não que isso interessasse muito Carlos, mas fora do habitual, ele se viu entretido pelo bate papo.

O escritor falou sobre sua infância no subúrbio, a perseverança nos estudos e finalmente os frutos do presente, o privilégio de poder publicar e ter sua literatura lida pelas pessoas. 

Incrivelmente, de alguma forma isso tocou Carlos, o homem que já contava seus 25 anos se identificou com a infância do escritor, ganhou perspectiva e descobriu que queria se empenhar na vida. Resolveu então que iria entrar na faculdade, queria falar com as pessoas, ter também o privilégio de ser ouvido pelos outros, mesmo não sabendo bem se tinha algo pra dizer.

Esse momento foi para ele como uma dessas sensações novas e de descoberta, nunca sentira isso antes e rezava para que não fosse a última vez. Toda ociosidade de sua vida, que não o havia levado a lugar nenhum, parecia agora tão distante que ele andava até mais rápido na rua, o caminho até o metrô nunca havia sido tão curto.

Foi próximo à rua da alfândega que um prédio desabou, horário de rush na cidade, vários pedestres atingidos na calçada, além das pessoas que estavam dentro do edifício. Carlos passava bem em frente ao local, foi atingido por uns pedaços de escombros que caíram na calçada. Todas as pessoas que caminhavam naquele pedaço da rua naquele exato momento não sobreviveram, foram completamente esmagadas.

O homem não teve tempo de realizar nenhum dos seus planos, mas em seus últimos 15 minutos de vida teve a sorte de ser agraciado por uma das maiores excitações da existência humana, realizou todos os seus planos em seus pensamentos e viveu mais nesses 900 segundos do que em todos os seus 25 anos.

Por Rodrigo M. S.

3 comentários:

  1. Uau, meu deus, estou tão triste com esse final!
    Mas gostei muito da última frase "...viveu mais nesses 900 segundos do que em todos os seus 25 anos." Ficou uma reflexão muito bonita!!
    Parabéns pela crônica impactante!

    Mary-Louise P.

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  2. Gostei de como você, nessa pequena crônica, conseguiu descrever bem o personagem a ponto de eu me envolver com Carlos (principalmente no fato dele andar mais rápido pela rua quando está ansioso, me identifiquei) e me surpreender no final. Não sei se fico menos triste dele ter morrido em êxtase...
    Sua escrita é maravilhosa :)

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  3. Que crônica linda! Assim como a Mary, eu AMEI a frase "...viveu mais nesses 900 segundos do que em todos os seus 25 anos." Ficou uma reflexão muito bonita! Me surpreendi horrores no final. Parabéns pelo anti clímax! Sua crônica está maravilhosa!!!

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