terça-feira, 22 de maio de 2018

O que há atrás do balcão?

Ler um livro é entrar em um outro universo, que antes era desconhecido. Um livro pode nos transformar e fazer entender diferentes realidades. Não é por acaso que há uma preocupação na educação escolar que o aluno tenha uma bagagem mínima de leitura, porque uma simples história abre nossos olhos para questões que não pareciam relevantes, assim nos tornando pessoas mais empáticas e compreensivas. E é essa sensação que o livro de Henrique Rodrigues, “O Próximo da Fila”, deixa em seus leitores. 

A obra descreve a vida de um atendente de uma lanchonete durante o governo do ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello. A família do personagem principal se vê em uma situação financeira difícil quando o pai morre e, por causa das políticas governamentais instaladas na época, logo o garoto se vê forçado a amadurecer, mudar completamente a vida a qual estava acostumado e ter que trabalhar. A história se relaciona com a realidade de muitos cidadãos durante o período em que Collor esteve na presidência, dessa forma agregando um caráter realista para o enredo. Para além da proximidade com todo leitor que vivenciou os anos de 1990 até 1992, a escrita jovial, repleta de gírias, faz com que os mais jovens possam apreciar a obra tanto quanto. No entanto, o diferencial está em descrever a história nunca contada: o que acontece por detrás do balcão nas redes de fast food?Quem são aquelas pessoas?

Henrique Rodrigues utiliza uma caracterização psicológica muito forte em detrimento da descrição física dos personagens, deixando até mesmo de mencionar nomes. Todos os personagens descritos no livro possuem apenas apelidos e sempre escritos com letra minúscula, como, por exemplo, o negro ou a menina dos óculos vermelhos e cabelos cacheados. Esta técnica poderia causar um desconforto durante a leitura, no entanto a descrição psicológica ocorre de maneira tão expressiva que os estereótipos são eliminados e é possível perceber a complexidade de cada personagem descrita no livro. Além disso, traz consigo uma metáfora sutil de como uma rede de fast food elimina a individualidade de cada ser até transformá-lo em apenas mais uma parte de um processo produtivo, logo nos faz entender um pouco mais como esta profissão funciona. 

Durante a leitura é possível perceber a diferença de vozes entre o narrador e o personagem. Apesar de escrita em primeira pessoa do singular, o narrador e o personagem principal se diferenciam através de trechos em que as reflexões do narrador são expostas ao fim de cada parte, uma vez que a obra foi dividida em quatro partes. Essa característica pode trazer um estranhamento para o leitor e até mesmo certa confusão, porém é esclarecido ao final do livro, quando fica evidente que o narrador está apenas contando uma estória. 

Outro importante aspecto é a narrativa linear, com apenas um flash-foward quando é narrado a história da vida da mãe do personagem principal. Todo esse conjunto constrói uma obra que poderia fazer o leitor virar uma madrugada apenas para poder termina-lo. No entanto, o desfecho do livro deixa a desejar, sem deixar aquele gostinho de “quero mais” que todo bom leitor gosta. Isto ocorre por causa da utilização de um clichê sobre suicídio. O fato não é bem trabalhado psicologicamente, de forma antagônica ao resto de toda a obra, fazendo um assunto relevante para a história ficar superficial. Apesar desse desfecho um pouco decepcionante, o autor consegue se recuperar quando nos surpreende com o fato de que foi apenas mais uma situação criada pela imaginação de um escritor. 

O livro de Henrique Rodrigues é de extrema qualidade, sua linguagem fluida e sua descrição precisa o torna excelente para que possamos entender uma realidade pouco trabalhada: a do trabalhador de uma rede de fast food. Portanto, cumpre seu papel na literatura brasileira de instigar os leitores a abrir suas mentes para novos universos. 

Por Jaci Roman.

Um comentário:

  1. A resenha foi muito bem escrita, uau, parabéns! Seu ponto de vista e suas interpretações ficaram bem claras, o que é muito positivo para quem irá ler a resenha :)

    Mary-Louise P.

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