terça-feira, 22 de maio de 2018

Resenha de Aurora Munds

Em o “O próximo da fila” do simpático carioca Henrique Rodrigues, temos um romance de formação que, evocandoas muitas perdas e os ganhos de um jovem morador do Rio de Janeiro durante sua fase de amadurecimento, fazem da história um grande e constante processo de reflexão acerca da vida em si.

A inspiração para o livro surgiu a partir de uma poesia do próprio autor, onde ele fala que a vida atrás do balcão vaialém do próximo da fila e retrata a esperança de um dia “ser alguém” perante a complexidade e ao caos da cidade.

No romance, temos como protagonista um adolescente de 16 anos, no começo dos anos 90. Logo de início já é notado um fator interessante quanto não só o personagem principal, mas a todos os personagens. Nenhum deles possui nome próprio. Isso por sua vez é substituído por adjetivos ou substantivos que visam expor o caráter comum e invisível desses personagens em meio a um cenário muito maior do que eles e até maior que a lanchonete, a própria sociedade.

Característica determinante, o papel de todos os personagens, mesmo atomizados perante algo maior, exercem importantes fatores para a compreensão de mundo do personagem principal. A mãe, o falecido pai, as tias, o irmão, a chefe, os colegas de trabalho, e a meia irmã, são todos personagens secundários diante do jovem, todos apenas dão as ferramentas necessárias para que ele cresça durante o livro. E o crescimento aqui, perde o caráter unicamente biológico para atingir o campo psicológico, sendo esse o real foco dado ao personagem, passar pela dor de perder um pai e crescer.

Pode-se afirmar então que as personagens não são rasas na narrativa. Mesmo que o histórico de poucas seja de fato explorado, o ponto crucial é compreender que nenhuma delas pode ser reduzida a um mero arquétipo.

Para Henrique, a escolha da lanchonete como cenário principal da narrativa não é por acaso. O autor, por já conhecer bem as relações, os cheiros e as hierarquizações que existiam naquele espaço, vale-se de sua experiência econhecimento para construir uma visão que não é conhecida por muitos, a visão do lado de dentro do balcão.E mesmo focando em um ambiente micro, uma lanchonete no Rio de Janeiro, os processos e relações nele existentes são de caráter exterior a seu espaço físico, levando tais ocorridos a uma análise da própria sociedade.

O trabalho na rede de fast-food, também vem marcado por uma crítica social explícita pelo autor: a mecanização do homem em seu trabalho em razão do padrão de qualidade. É notável o quão reprimido e excluído pode ser uma pessoa por não seguir o padrão imposto, não só na lanchonete como na vida. A não aceitação de tal condição pode gerar consequências para o indivíduo, mas nunca ao sistema, que sempre terá alguém disposto a segui-lo.

E o contexto macro, o Brasil recém-saído da ditadura civil-militar e inserido na Era Collor, tendo a recessão, a inflação que corroía a economia e a instabilidade de tantos setores como apenas fatores de contexto para a obra. Isso ocorre, pois, ao não colocar marcas temporais muito definidas como realidade responsáveis pelo “caminhar” da trama, o foco ressalta para um ambiente microscópico. Ou seja, o autor tenta mostrar um pequeno período de vida de um personagem comum dentro de um fast-food comum, e que existia dentro desse cenário macroscópico.

Entre o enredo principal são narradas pequenas histórias, entreatos, que são vistos como momentos de reflexão atual quanto a narrativa, a visão do presente sobre tudo. Aoavançar a leitura, essas linhas antes paralelas se entrelaçam e se complementam. Tal recurso permite ao leitor uma carga prévia para exercer seu julgamento as personagens, podendo-se notar a alternância entre um narrador em 3ª pessoa nesses casos e um narrador onisciente em 1ª pessoa durante o restante da trama. O fato do narrador principal se dar ao mesmo tempo como onisciente e em 1ª pessoa traz a história o fato do jovem conhecer mais do que a cena mostra. Com isso ele não só entende o que acontece, mas também percebe os fatores determinantes para os fatos de fato ocorrem. Tendo assim, a alternância entre a voz do jovem e do adulto, da vivência e da compreensão.

No livro a narrativa se completa no começo do romance, onde mostra o aquele mesmo jovem da história, agora no futuro relembrando e escrevendo sobre seu crescimento e seus aprendizados no fast-food onde trabalhou há alguns anos. Essa marca temporal traz uma característica interessante a história, que se constrói como um grande flashback.

A leitura segue um ritmo linear, no entanto, não se pauta na fórmula clássica da sucessão da narrativa baseada em um fato único e determinante. A rapidez da história, contada em capítulos curtos e dividida em partes, ocorre de forma antagônica a rapidez da transformação do personagem. O fato de que os capítulos, mesmo os mais fortes, não contarem com carga de auto piedade é uma questão interessante, pois parte do pressuposto de que o olhar dado aos fatos é um olhar neutro, que analisa tais ocorridos como determinantes unicamente para a formação do jovem, tirando o peso inflamado das interpretações da juventude. 

Ao passo em que cada parte do livro o jovem vai se tornando mais maduro, os capítulos trazem os pequenos fatores responsáveis por tal efeito. Tirando assim, o peso de um único fator – no caso a morte de seu pai – ser responsável por propiciar a totalidade de mudanças do personagem.

A inserção de trechos e citações de músicas na narrativa também trazem ao leitor uma possibilidade de imersão maior na história, pois ao ouvi-las poderá partilhar das mesmas memórias vividas e expostas pelo narrador durante sua vida. As bandas Legião Urbana e Scorpions são citadas como sendo importantes na vida do personagem principal, onde a música foi uma importante acompanhante na construção de suas memórias.

A linguagem simples, mas profunda do autor, faz com que a leitura seja fluída, tornando a complexidade do ambiente e de todas as transformações e memórias do personagem, algo facilmente compreensível ao leitor. A mente de um adolescente é um local caótico e muito abstrato, e traduzir conforme esses pensamentos são interpretados pelo personagem pode ser uma tarefa complicada.

Porém, a tradução é fiel ao jovem e se constrói de maneira simples quando é simples, e rápida e caótica quando se encaixa nessas condições. Com isso, o autor traz uma possibilidade de identificação entre o personagem principal e seu leitor, ao partilhar o mar de incertezas e a grande carga de fatos que são “corriqueiros e atropelados” por muitas pessoas de forma comum em seu dia a dia. É dar voz ao que é visto como algo mecânico e impessoal. É devolver à importância aos que diariamente são esquecidos.

As palavras que definem o livro são: descobertas, crescimento e vida.

Por Aurora Munds.

3 comentários:

  1. Concordo com o que disse sobre os personagens que, cada um do seu jeito, ajuda na construção e amadurecimento do protagonista. So trocaria o ponto final que separa as frases, por dois pontos nessa parte: "Logo de início já é notado um fator interessante quanto não só o personagem principal, mas a todos os personagens. Nenhum deles possui nome próprio."

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  2. "As palavras que definem o livro são: descobertas, crescimento e vida." E batata frita!
    Você escreve muito bem, sinto uma fluidez com todos os trechos intimamente ligados

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  3. Uma das minhas resenhas favoritas! O texto, apesar de longo, não ficou nada cansativo, devido a leveza que você utilizou ao descrever o livro e a sua opinião! parabéns!

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