terça-feira, 22 de maio de 2018

Não julgue um livro pelo fim

O final é polêmico, eu sei. Uns dizem que foi um suicídio forçado demais, que estava ali simplesmente para surpreender, sem nenhuma construção adequada. Outros dizem que foi impactante na medida certa, quebrando as expectativas do leitor por um final mais alegre.

Como sempre, concordo e discordo de todos. Foi mesmo uma reviravolta meio largada, sem toda uma construção em torno dela. Mas o que é a vida senão um grande baralho sem carta marcada? Se a intenção do autor era largar os acontecimentos marcantes do enredo da mesma forma inesperada e despreparada que a vida nos surpreende, ele conseguiu. E mais de uma vez: foi dessa mesma forma despretensiosa que soubemos da morte do pai do menino, por exemplo.

Ao longo de todo o livro, o narrador também não parece preocupado em construir algo. Não parece interessado em narrar sua história para que alguém leia depois. Os capítulos se assemelham, na verdade, a pequenas reflexões pessoais contadas conforme os acontecimentos iam se sucedendo. É uma narração bem natural, como se ele parasse no tempo e resolvesse escrever sobre o que acontecia a sua volta, tentando dar sentido às coisas da vida.

A linguagem é simples e acessível, sem ser superficial, o que é ótimo! Afinal, ninguém fica usando malabarismos linguísticos pra pensar na vida, não é mesmo? Quem é que paroleia no Whatsapp ou vai no Twitter prantear? A gente gosta mesmo é de entender na hora o que a pessoa tá dizendo, sem palavras difíceis, frases longas e vírgulas infinitas. Ponto pro Henrique!

O único capítulo que foge dessa narração do próprio menino é o primeiro, que nem é numerado, na verdade. É um verdadeiro capítulo à parte, em que o clássico narrador sabe-tudo fala sobre uma visita que o menino, já adulto e num “emprego de verdade”, faz à lanchonete. É a parte do livro mais descritiva, coisa rara no resto do texto. São praticamente quatro páginas para um engasgo! O narrador-menino é mais direto, não enrola para dizer o que acontece. Depois que diz, já emenda com outras informações relevantes para o enredo. Gosto dele.

Aliás, o enredo do livro é bem linear, com uma ou outra exceção fora de ordem. É o caso desse capítulo do início e daquele em que o menino descreve a história da mãe. Mas, sabe? Esse da mãe até que é bem linear... Lembra que falei que parecia que o menino tava pensando na vida e tudo mais? É a esse tempo que a história obedece. Mesmo fora da ordem cronológica, o capítulo da mãe parece obedecer ao tempo da reflexão do menino, a cada pequeno capítulo parando para explicar um pedacinho do mundo ao seu redor.

Do início ao fim, a descrição dos cenários é mínima. O foco está nas ações e nas poucas coisas que fazem parte delas. Mas isso eu só fui perceber bem depois. Sério, eu não acreditei que ele tinha falado pouco dos cenários porque eles estavam muito claros na minha mente. Eu juro que conhecia cada canto daquela lanchonete e cada espaço do terreno da casa mais apertadinha. Talvez seja porque os dois eram lugares bem comuns ou porque a falta de descrição me fez costurar elementos de casas e lanchonetes que eu já conhecia. 

Mas eu não conhecia só os cenários. Alguns personagens também eram bem familiares, pois tinham traços que me lembravam de muita gente. As duas tias eram as mais exageradas, como o próprio Henrique admitiu. Uma só sabia criticar e reclamar, enquanto a outra estava sempre confortando o menino. Para mim, era óbvio que elas representavam várias pessoas do nosso dia a dia, não necessariamente tias. 

Acho que essa simplificação foi necessária pra narrativa poder dar mais atenção à mãe e ao menino, que foram retratados de uma maneira bem mais profunda. Conhecer o passado dela foi essencial, por exemplo, para entender o alívio que teve quando viu os filhos comendo a comida que a dona da casa deu. 

Outra parte do livro que, infelizmente, me parece muito real e me faz lembrar de situações desagradáveis é quando ele descobre que foi aprovado no vestibular. É incrível como tem muita gente que se incomoda com as conquistas alheias. “Vão te dar parabéns com a mão direita e te sacanear com a esquerda, isso acontece em todo lugar”. Pura verdade!

Quando a história acaba, são revelados os nomes próprios dos personagens do Henrique. São os nomes da história dele, a do autor. Os do livro, no entanto, seguem anônimos, tão genéricos quanto os funcionários que nos atendem numa lanchonete qualquer. Afinal, ninguém liga mesmo para os que estão do outro lado do balcão. Eles estão ali apenas para cumprir suas funções, né? Um bom dia, no máximo, de vez em quando,

Todos vêm e vão tão rápido… E não fazem a menor ideia do que existe do lado de cá.

Por Suco de Caixinha.

3 comentários:

  1. aaa que leitura gostosa! resenha super bem feita, abordando os principais pontos do livro e sua opinião de maneira bem leve! amei

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  2. Muito boa! eu li seu texto sem qualquer problema. Ponto pra você!

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    1. acho que você conseguiu abordar partes importantes do livro e falou de forma direta sobre o que achou. Achei muito bom

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