terça-feira, 22 de maio de 2018

Isso não é uma crônica.

O presente trabalho é uma análise do livro “O próximo da fila” (2015) segundo os elementos de uma obra narrativa. Escrito pelo autor brasileiro Henrique Rodrigues, o livro é centrado na vida de um jovem de classe média, estudante de escola particular e que possui estabilidade financeira. Contudo, com a morte de seu pai, que custeava esses benefícios, esse cenário de bem-estar se altera totalmente. Diante disso, esse personagem, junto de sua mãe e irmão, precisam se adaptar às mudanças. De início, eles se mudam para uma casa menor, o protagonista vai para uma escola pública e, para auxiliar nas finanças, consegue um trabalho em uma rede de fast-food internacional. É a partir desse emprego que a trama gira em torno.

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que, durante a obra, nenhum personagem possui nome próprio e pouco se descreve sobre a fisionomia destes. Normalmente, a caracterização das pessoas se dá ou pela função que exercem (pai, mãe, treinadora), ou por apelidos (poeta, “dos patins”) ou por características físicas (baixinha, menina de cabelos encaracolados).  Isso dá a impressão que esses personagens refletem qualquer pessoa da sociedade.

Apesar de saber pouco sobre o exterior do protagonista, a narrativa revela seu íntimo. Com uma escrita em primeira pessoa, há uma descrição psicológica e emotiva sobre as mudanças atravessadas pelo menino, desde sua infância até sua entrada na faculdade. (Bildungsroman ou romance de formação). Devido a essa perspectiva, é possível perceber o amadurecimento nessa transição: desde uma criança mimada, que compete com o “marrequinho” para impressionar seu pai, passando pela fase da adolescência que há novas descobertas, como as drogas, a bebida e o sexo, até um jovem adulto comprometido com o trabalho e dedicado aos estudos do curso de jornalismo. Apesar da narrativa em primeira pessoa ser predominante, em algumas partes do livro há alteração para a terceira. Um bom exemplo dessa troca é no capítulo em que ele fala sobre a infância da mãe: o narrador onisciente descreve a violência doméstica e o abuso sexual, detalhando os pensamentos e sentimentos da menina. Contudo, esses temas não são abordados de forma tensa, há uma narração leve, com o tom de uma história infantil. É importante destacar isso, pois, levando em consideração os acontecimentos trágicos e inquietantes, a escrita não se torna pesada.

Sob essa ótica descritiva, o autor elabora habilmente não só o passado da mãe do personagem, mas também quando o protagonista se queima na chapa. De acordo com o escritor, ele quis trabalhar a sinestesia, o que de fato ocorreu. Durante a leitura, a cena da queimadura trás um sentimento agonizante em que você observa suas próprias mãos, imaginando a queimadura nelas.

Apesar de haver um panorama intrínseco do narrador personagem, essa visão se torna limitada, uma vez que não é possível enxergar nenhum outro ângulo em relação aos fatos ocorridos. Dessa forma, os sentimentos vividos pelo protagonista se tornam os mesmos que os do leitor, o que torna a leitura parcial.

Voltando para o aspecto de ponto de vista, os cenários também são baseados na percepção do personagem. Normalmente, são narrados sutilmente, com a finalidade de não travar o enredo. Por exemplo, há citações sobre o aumento da inflação e a desvalorização do dinheiro que, implicitamente, remetem o cenário político do Governo de Fernando Collor de Mello. Além disso, a descrição dos locais não é minuciosa. Quando o protagonista passa para o novo setor do fast-food, a chapa, não há detalhamentos sobre a cozinha, somente do que é de seu manuseio, Assim, há uma valorização do micro universo do protagonista. Apesar de ser benéfico para o andamento da história, a imaginação do leitor se torna limitada, uma vez que não há uma apresentação do cenário, se há outras pessoas trabalhando, se há outras chapas quentes, por exemplo.

É importante perceber, também, que o enredo é flashforward. Apesar do livro se desenvolver de forma linear nas fases pelas quais o personagem passa – infância, adolescência e chegando à adulta –, há a intervenção dele mesmo no presente, já formado na faculdade. Durante essas interferências, o autor do presente faz comentários sobre ele do passado. Devido ao amadurecimento adquirido, há reflexões sobre as decisões tomadas quando era jovem e sobre o presente no qual ele está: sentado no fast-food, observando ao seu redor enquanto escreve em um guardanapo. Em geral, durante o pretérito e o presente, a linguagem é coloquial e simples. Há a utilização de gírias – quebra galho (pág. 136), diminutivos – mãozinha (pág. 100) e palavrões. Além disso, o discurso direto também facilita a leitura, já que os diálogos são de fácil localização. Contudo, eles são expostos de forma não tradicional, utilizando apenas parágrafos, substituindo o travessão. Por possuir esses aspectos, a leitura alcança diversos públicos.

Por fim, o livro possui uma reviravolta surpreendente que foge do óbvio. Foge até demais. O andamento do livro se dá principalmente na relação do personagem com seu emprego, porém, com o surgimento da menina, esse andar tropeça. O final é realmente bom, mas o autor poderia ter surpreendido de outra forma, algo relacionado ao trabalho no fast food (que é o principal).  Mas em geral, o livro nos concede uma lição: nada é definitivo e, que por mais triste ou desastrosa seja a situação, é necessário seguir em frente, querendo ou não.

Por Capitu.

Um comentário:

  1. o texto ficou bem completo, mas essa formalidade me incomodou um pouco (mesmo eu fazendo isso também, seria essa até uma autocrítica?) e fez o texto ser bem "frio". Mas quanto a analisar senti no texto um olhar bem crítico e afiado. Interessante, porém muito certinho (na minha opinião viu kkkk)

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