Em seu romance de formação, “O próximo da fila”, o autor Henrique Rodrigues já anuncia logo na epígrafe a valorização da experiência vivida ao, não por acaso, apresentar um trecho da obra “Germinal” de Émile Zola, que passou 2 meses vivendo entre os mineiros para os retratar com maior precisão em sua narrativa.
Com contornos autobiográficos, “O próximo da fila” coloca sob-holofote um perfil geralmente invisibilizando, se é dada voz a um indivíduo socialmente mudo. Um sujeito pobre em um subemprego, encontra-se não à margem, e sim no centro do enredo. Tendo como inspiração o poema Elegia da Passarela, do próprio escritor, o livro inicia com um homem visitando a lanchonete onde havia trabalhado em sua juventude. Ao observar certo funcionário, começa então a se lembrar da época em que estava no lugar do jovem. Assim, resolve escrever sua história em guardanapos, na tentativa de verbalizar seu passado problemático.
A trama não linear é construída em quatro partes e em capítulos curtos, justamente para simular a ideia de que cada capítulo fora escrito em um guardanapo. Se é descrita uma vida toda em menos de 200 páginas. Com uma linguagem simples e nada hermética, a auto ficção utiliza do recurso de não nomear personagem algum a fim de simbolizar como as pessoas retratadas são comuns. Esse fator contribui também para a empatia, já que essas figuras podem ser facilmente associadas pelo leitor a alguém de seu convívio.
Tendo como pano de fundo o momento de recessão e inflação enfrentado pelo Brasil no começo dos anos 90, pós-ditadura militar, é abordada a realidade de um jovem que tem sua vida, antes confortável e estável, transformada devo a instabilidade política do país e a morte de seu pai. O garoto é então obrigado pelas circunstâncias a amadurecer e arrumar um emprego a fim de ajudar a sustentar sua família. Deve, pela primeira vez, assumir responsabilidades, já que se encontra sozinho com sua mãe e irmão mais novo.
A narrativa se desenvolve mostrando essa passagem do personagem principal da adolescência para a vida adulta, retratando uma série de “primeiras vezes”, com foco em torno de sua experiência trabalhando em uma grande rede de fast-food. O rapaz de muda para uma casa menor e mais humilde com sua família, é transferido para uma escola pública, deixando sua “outra vida” como é apresentada no texto, para trás. No entanto, é dentro desse cenário de uma lanchonete na periferia do Rio de Janeiro que ele começa a viver de fato, tendo, pela primeira vez, amigos e até mesmo um romance com desfecho trágico.
O amadurecimento do jovem é explícito no decorrer da narrativa já que, evolui de um menino mimado e arrogante para um homem trabalhador e preparado para lidar com as adversidades da vida. Em seu emprego, envolve-se em um acidente enquanto administrava a chapa e termina por perder as impressões digitais, simbolizando que o protagonista deixou para trás uma parte de si mesmo naquela chapa: a sua identidade. Insinua-se a mecanização do ser humano pela indústria.
O autor também faz uma metáfora ao, ironicamente, comparar a forma M da palma das mãos, perdida pelo sujeito no incidente, ao logotipo da franquia, criticando essa exploração do trabalho. A crítica a sociedade é presente em toda a trama, na qual são narrados episódios de desigualdade social, como por exemplo, quando o filho do dono da lanchonete humilha os funcionários, e o preconceito sofrido pelos colegas de trabalho do rapaz, um negro e outro homossexual.
Inclusive a estratégia de não dar nome aos personagens denuncia essa visão que a sociedade tem das pessoas que servem ou que estão em uma posição social abaixo. Atrás do balcão de uma loja é visto o uniforme, mas, não a identidade, por isso na história todos são identificados através de uma característica marcante ou pela posição que ocupam.
Nessa grande rede de fast-food todos são vistos como substituíveis, seguir o “Padrão” da empresa é mais importante do que o bem-estar dos funcionários, que se tornam números e parte de uma engrenagem. A reprovação do sistema capitalista de exploração do trabalho pelas indústrias é clara no enredo, além de partes dramáticas que mostram como é difícil, mas possível, enfrentar os obstáculos da vida. É relatado como é problemático crescer.
A obra de Henrique Rodrigues, por ser de fácil e rápida leitura não é voltada para um público-alvo especifico, já que pode interessar desde adolescentes até idosos, independente de classe social. O autor carioca também de “A musa diluída” já transitou por outras categorias literárias como contos e crônicas, mas é com “O próximo da fila” que surge como romancista, nessa jornada de autoconhecimento.
Por São Valentim.
Que resenha excelente, uau! Imagino ela bem locada em um jornal, com certeza! Parabéns!
ResponderExcluirMary-Louise P.