Gênio forte, espírito livre e julgamento mordaz.
Era uma adolescente cheia de si. Adorava flertar e não se importava com piadas sujas.
Corajosa e atrevida, não tinha papas na língua, falava o que pensava e tinha um talento para
demonstrar com veemência poucos de seus sentimentos e esconder os mais verdadeiros para
si.
Alguns professores a odiavam (achavam que ela era do tipo engraçadinha), mas, para as
pessoas que se permitiam conhecê-la, era uma divertida, sagaz e leve companhia.
Amava seu pai. Idolatrava-o e só passou a amá-lo mais quando, mesmo oferecendo o seu
diário para que ele lesse, em um ato de total confiança, Pim preferiu manter a privacidade
dela intacta.
Óbvio que sofrera das agonias rebeldes da adolescência. O seu afastamento com sua mãe, o
ciúme de sua irmã e a saudade de crushes passados. Mas sofreu muito mais que isso.
Sentia-se dúbia, como se uma parte dela, animada e feliz, mascarasse um mar de tristezas
escondidas, sabedorias profundas, uma pureza e ingenuidade juvenis que conviviam
intimamente com sonhos e medos de alguém que já viu demais em tão pouco tempo.
Alguns de seus leitores a chamam de mimada, de egoísta, de teimosa. Digo a eles que não
aguentariam nem um por um segundo crescer por 2 anos presa, em constante medo e silêncio,
tendo como única distração apenas sua imaginação e poucos livros, sem que isso afetasse
profundamente o seu psicológico, suas relações familiares e suas ações no geral.
Uma adolescente que não podia pensar em sair, cantar, dançar e namorar. Bastava uma
descarga na hora errada para que sua vida ficasse nas mãos de desumanizadores. Único luxo
dado a ela seriam poucas páginas novas no Natal para expandir a alma do seu querido, velho
e muito bom ouvinte diário, ao qual nada ocultava.
Deu o seu primeiro beijo em um Peter que não era o seu, em um sótão escuro, no qual
sonhava todos os dias, ao observar as árvores, o sol e as estrelas pela fresta de uma janela
pequena, com o momento em que ia viver livremente de novo: voltar à escola, ver seus
amigos e amores secretos, se tornar uma jornalista que viajaria o mundo e uma escritora de
grande sucesso. Queria crescer e não mais esconder a sua verdadeira eu do mundo.
"Apesar de tudo ainda acredito que as pessoas, no fundo, são realmente boas.” Ela escrevia,
ainda com um resquício de inocência de uma outra época, uma outra vida. Pergunto-me se ela
ainda acreditaria nisso se soubesse que aquele seria o seu primeiro e último beijo, uma de
suas últimas cartas, que o mundo que ela tanto acreditava, nunca, verdadeiramente, se
apiedou dela e de tantos outros que sofrem.
Morreu aos 15 anos, coberta de piolhos, com a cabeça raspada e com seu corpo esquelético,
vestindo apenas trapos de um cobertor, tendo como única companhia o cadáver de sua irmã e
uma lembrança de uma esperança que há pouco ainda fervia. Nunca poderia realizar os seus
sonhos, nunca mais poderia pedalar por Amsterdam num dia bonito de verão, nem ir ao
cinema com suas amigas. Nunca mais veria Pim, Kitty, Mottie, Margot e nem sua querida
mãe. Seus olhos se fecham, secos, já sem mais nenhuma lágrima para derramar. E pergunto-
me como seria o mundo hoje se ela tivesse tido a chance de viver.
-Camélia.
Camélia, gosto muito da sensibilidade dos seus textos. Acho que você está falando da Anne Frank.
ResponderExcluirTexto interessante e bem desenvolvido. Pensei na Anne Frank
ResponderExcluirVocê conseguiu escrever o resumo perfeito do 'Diário de Anne Frank', parabéns.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVenho um tempinho depois para ler e responder a sua bela escrita. Apesar de não assistido o filme Diário de Anne Frank (sou desprovido demais) me gerou curiosidade ver o filme. Mas uma coisa que me chama a atenção é sempre a sua sensibilidade ao escrever. E sempre colocando um pouco de si em suas escritas, isso me entanta. Muitos colegas disseram que era um breve resumo de Anne Frank, mas eu vou além, esse texto é o retrato escrito da sua essência. Abraços minha querida ❤️
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