Comunidade Pavãozinho-Pavão, Mar
de Fevereiro, ano 1235, Planeta Fogo.
Não existem meras associações com
a realidade. A realidade dói para alguns. E é doída mesmo. E doida. Então
criemos alternativas. Essa é uma delas. O que é real?
A arte é a realidade que a vida
não consegue explicar ou apenas a que gostaríamos de vivenciar.
“A realidade é fluida, tal qual a
ficção.”
Essa era uma das frases que
Helena tatuara. Filha de Zeus ou apenas da mãe que gostava de referências
gregas, fez quando tinha quinze anos e escondida. Ela era alguém há frente do
tempo do seu povo. Transgressora, por vezes, iluminada e acesa pelos que a
cercavam. Fora esculpida, em mente e corpo, como se fosse preparada desde
sempre para ser o avatar perfeito para uma entidade cósmica milenar. Algumas
unidades são projetadas para existirem. Helena foi projetada para ser a melhor.
Em tudo. E ela conseguiu, até onde pôde, absolutamente de forma natural, quase
sobre-humana, transformar ideias em ações. Essa é a grande mágica da vida e ela
entendia isso. Davam um problema? Ela resolvia. Davam à filha dos deuses uma
nota dó menor e ela traduzia isso para uma ópera. Helenística, tal
qual.
Algo maior do que nosso saber
criou aquilo, porque para além disso, nada explicava a existência de Helena. O
sonho dela era mudar o mundo. Sua irmã, Naomi, queria ser engenheira, seu
irmão, Cléber, queria ser narrador de futebol. Vocês sabiam que Cléber deriva
de cleaver, que na língua inglesa significa um instrumento de
corte que se parece um machado de açougueiro, por isso, existem pessoas
chamadas Cléber Machado? Enfim, conhecimento não tão útil sobre o nome do irmão
dela compartilhado com sucesso.
Deseja-se reproduzir uma imagem
de deusa grega aqui. Ainda que a divindade dela viesse de matrizes africanas.
Filha de Xangô, do fogo, do trovão, da justiça e do equilíbrio; escorpiana com
ascendente e lua em Leão. Ela sabia como adentrar na mente das pessoas. Como
convencer pessoas de coisas e como saber o que pessoas pensam apenas pelo
comportamento ou pelo prazer de passear em suas mentes. Ela lia pessoas, mentes
e comportamentos. Como se fossem livretos e como se toda página significasse
algo. Acredite. Você gostaria de ter essa habilidade. Em tempos passados diriam
que ela era uma bruxa, apenas confirmando a incapacidade humana de entender o
que significava ser Helena.
Era mulher de uma pele dourada,
reluzente, semblante calmo, mas mais má e esperta que quase todo ser que
conhecera. Como se as curvas do seu corpo, as nuances de sua alma, remetessem
sempre a algo maior do que o explicável. A poesia reside na repetição dos
radicais. Gramaticalmente falando. Essa é a dica.
Para além de toda a perfeição que
ela pudesse referenciar, para além de uma garota que fez tudo que a sociedade
poderia pensar em pedir que ela fizesse, morava num cortiço moderno e isso a
limitava socialmente. Modernidade é um termo interessante. Ao passo que
significa o futuro, aprisiona pessoas e vivências no passado.
Ela cursava o último período de
psicologia e não estava nesse curso à toa. Entendera que a melhor forma de
camuflar seu dom seria nessa profissão. Médicos camuflam seus anseios
psicóticos cursando medicina e cortando corpos. Telepáticos se utilizam das
profissões da mente.
Mateus, dono da franquia de
óculos escuros, mandou mensagem, marcando um jantar para mais tarde. Ele tinha
fotofobia, coitado. Estava sempre de óculos escuros. Por muito tempo o
julgaram, até entenderem que a luz do sol era menor do que a luz que ele
próprio emitia. Ela apenas ignorou durante horas o jovem rapaz. Até porque
estava na serralheria ao lado da sua casa.
Pense em barulho de ferro sendo
fundido. Pense também num rapaz suado, com pinta de brabo, tatuado, moreno, com
sal, segurando um esmeril como se disso dependesse a salvação do planeta, como
se o orgasmo de alguém dependesse daquela cena, como se ele soubesse que estava
sendo assistido a todo momento. Ainda assim, ele só estava trabalhando e Helena
perdidamente apreciando tantos bíceps, tríceps e quadríceps que saltavam quase
rasgando a sua roupa, já um tanto rasgada. Ele também parecia uma escultura.
Não pensada, apenas forjada. Na luta, na raiva contra o sistema. Imagina a
cena. Equilibravam-se os dois, sabendo os dois que eles se equilibravam entre
si, não sendo isso um problema. O tempo nesse planeta passa diferente. O que
demorou minutos para os jovens que se auto apreciavam e sensualizavam
intuitivamente, demoraria anos em outros planetas. Ferro, fogo, força, garras,
tudo bem condizente com o ideal de estabelecimento de um modelo de sex appeal.
O nome do moço era Victor.
A
personagem principal desta crônica não respondia mais o pródigo possível futuro
namorado perfeito, também porque estava grávida. Do seu professor, um mestre em
adentrar mentes e corpos alheios.
- Você já conseguiu juntar
informações o suficiente até agora. Basta refletir. Na dúvida, me manda
mensagem de noite que eu te transfiro o dinheiro pela manhã.
Disse
ele na última aula, sugerindo que ela abortasse o filho. Tiveram uma conversa
longa há mais de um mês, porém o suposto “pai” só resolveu informar sua opinião
há uns dias. Opinião: morra!
Helena,
acordou cedo aquele dia, fez um chá de camomila antes de pensar em se olhar no
espelho, conduziu também todo o rito processual que mulheres permeiam para
existir nessas sociedades. Ela estava grávida de três meses, de Xavier. Penteou
seu longo cabelo vermelho. Ela habitava uma pele escura, com cabelo
naturalmente rubro. Não era normal. Ela não era normal. Pele quente. Olhar
hipnotizante.
Seu único defeito era esquecer um
pouco das coisas. Inclusive que naquele dia, indo para a faculdade em Niterói,
sua mãe havia dito que tivera um sonho estranho e que ela não deveria ir para a
aula. Apenas ignorou o soar das arpas divinas. Sua vida mudaria completamente.
Sua vida mudaria. Apenas transcenderia. Ela morava numa região perigosa. Tinha
seus horários para tudo, mas estava especialmente atrasada. Ao cruzar o portão
de casa... Ouviu um grito. Depois sentiu um vulto:
- Vaza, vaza.
- Abaixa a cabeça, sua filha da
puta.
Ela não entendeu nada. Quem
entenderia. Se sua vida coubesse nuns segundos, como você reagiria? A dela
coube em três segundos. No primeiro ela ouviu “vaza, vaza”. No segundo, fogo.
Explosão. Fogueira. Chama. Solar. Ela usou todo seu poder. Ela tinha um poder.
Ainda não sabido. Olhou para o cano da arma que apontavam para ela. Preto. O
cano era preto. Quem empunhava nem tanto. Coincidências (não!) da vida. O
terceiro segundo foi apenas o barulho. Como se em uma onda sonora coubesse, de
novo, uma vida inteira e coube. Ela fechou os olhos. Gritou, de forma sobre-humana.
Como se não inexistisse em frequências audíveis para humanos, seu desespero. Em
centésimos de segundo, ela transformou a dor do seu grito em algo intangível,
que nenhuma ciência terráquea pudesse ratificar. Abraçadas por suas entidades
teve força para desviar uma bala.
Foi em outros milésimos também
que a bala desviou de seu coração. Helena pegou fogo. Como a tequila queima num
shot ardente, como a boca do fogão que queima após o estalar do acendedor, como
a Sra. Grey da franquia de mutantes já famosa por aí.
Tudo brilhou ao redor.
Uma luz incandescente tomou conta
de todo ambiente.
Épico, transcendental. Deus
estava ali. O diabo também. Ambos na terra do sol. Ambos lutando suas lutas.
Não deveríamos comparar essas entidades. Pode ser considerado blasfêmia e se
formos contra os aparelhos que guiam os Estados, podemos ser repreendidos. O
que fazer quando os próprios aparelhos nos derrotam? Eles escolhem tipos
específicos para matar. Contenha-se branca da neve. Helena despertou um poder
que ela não conhecia. Ela desviou de uma bala. O que ela não sabia era que
poderes são limitados. Limitados aos seus próprios conhecimentos. Se ela
tivesse ciência disso antes, se tivesse treinado, provavelmente escaparia. Ou
não. Em algum momento a gente só morre mesmo.
O tiro desviou do coração de
Helena e de seu filho, mas atingiu uma artéria importante perto da jugular.
Apenas um estilhaço na verdade. O suficiente. Jorrou. Cinematográfico. Sangue,
vida, amor, vontade de viver, jorrou Deus. Bebeu da fonte, o diabo. Consegue
imaginar todo o mundo de possibilidades que se perdeu naquele momento? Não.
Ninguém consegue.
Então as luzes e os sons
cessaram. Toda a ação ocorreu em poucos segundos, sob muitas emoções, mas em
dado momento o silêncio absoluto tomou conta. Essa é a hora que dói. A hora de
contar os corpos. Chega a mãe abrindo o portão de casa assustada com os
barulhos:
- Minha filha, que barulho é
esse? Cadê minha filha?
E lá estava a filha de Zeus.
Codinome Fênix. Jogada no chão como um pedaço de carne. A mais barata. Toda a
profusão de habilidades tinha se findado. Estava saindo de casa para a
faculdade quando cruzou o caminho de dois agentes de repressão que estavam
perseguindo um suspeito qualquer, que escapou ileso. Helena foi baleada. O tiro
pegou de raspou e a matou. Ela não teve tempo de pensar. Seu filho,
inexplicavelmente sobreviveu. Ficou meses dentro de uma incubadora com
aquecedor em quarenta graus, contrariando todos os saberes medicinais até
então. Pudera, filho do fogo, antes de respirar ar puro já mostrara que seguiria
o dom da mãe.
Fênix, queimou para que o que
estava em seu ventre transcendesse. Quase sempre a vida é isso. Queimam para
que queimemos. Queimamos para que queimem por nós. Como um ciclo sem fim. Faça
pelos outros e farão por você, dizem. Dizem.
Uma fênix não morre. Ela queima,
apaga, renasce. Helena não morreu. Renasceu em seu filho e era vivida todos os
dias na memória de sua mãe, já desolada a partir de então. O filho daria
seguimento ao legado de luz e calor deixado pela mãe.
Não existe fim. Ou sim. Mas ele
não é aqui.
Helena é como a ave selvagem que
simboliza o renascimento, como um oroboros, como o triunfo da vida sobre a
morte, o eterno recomeço. Como uma pantera faria nos anos de luta armada.
Pantera,
negra, preta, não importa a Terra ou terra. Retinta, importa no Fogo ou no
gueto. Taca fogo, taca fogo. Fênix não morre seu bobo. Tem gente que é réu,
mesmo sendo um fogaréu de ideias que mudariam até a cor do céu. Tire seu
véu.
Punhos cerrados, serei
resistência para chegar aonde quem não mais pode falar, falaria por mim, como
provavelmente fizeram em outra existência. Firma, firma e FOGO nos
racistas!
Os policiais que mataram Helena
ainda estão à solta.
...
“Todos os dias a Kathlen é
assassinada. Ela não foi assassinada só no dia 8 de junho, ela é assassinada
todos os dias quando pretos, pobres e favelados passam pela mesma situação. A
minha filha é assassinada através de outros corpos. Ela já era antes, e é muito
difícil lidar com tudo isso… Eu não tenho outra filha, outro filho. Eu não
posso ser vó. Eu chego na minha casa, todos os dias, e parece que a minha casa
se tornou uma mansão porque é vasta, enorme, e só tem eu e meu marido. A
sensação é de que está sempre faltando alguém.”
Mãe de Kathlen Romeo.
A Fênix
Não leio textão
ResponderExcluirOi, Sr. Armani. Desculpa não preencher suas expectativas. Acontece que eu não escrevo textos para você ler. Na verdade essa crônica IMENSA da semana é o esboço de um livro que eu pretendo fazer sobre uma mulher com superpoderes que desviava de balas. O livro será uma homenagem à Kathleen Romeo, morta grávida pela Polícia do RJ (que não conseguiu desviar de bala nenhuma). Escrevo sobre dramas reais através de ficção. Nem todo mundo tem a limitação de escrever sobre Terry Crews. Estamos numa faculdade, né, irmão. Tá na hora de crescer.
ExcluirSim, é um texto grande e quase ninguém lê. mas ninguém é babaca de vir aqui e escrever uma frase em claro descaso com o trabalho dos outros. Continua escrevendo sobre o que você quiser. Eu não lerei, mas prometo não ser um sem tempo que vai na sua escrita falar abobrinha.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirClaro, genial é seu pseudônimo literário. Nossa, quão genial és não é mesmo “pássaro de fogo”, Paula Fernandes. Não sei se tem capacidade cognitiva, mas as crônicas deveriam ter 25 linhas. Muito fraco seu intelecto e para sentir-se melhor quis produzir um texto sobre alguém que nem se quer envolve o tema da semana. Estamos na faculdade não é? Temos que ter ao menos compreender a proposta da crônica ao menos gênio da profundidade, de boas intenções o inferno tá cheio. Melhore
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