Desde que o povo francês nos deu um golpe, eu e meu marido Luís XVI vivemos numa vida sem nenhum luxo, muito diferente do que tinhamos na França. Aqui no Brasil precisamos batalhar todo santo dia para conseguir algum dinheiro. Como ja havia lhes contado, desde que fui exilada para esse País Tropical venho trabalhando como cronista em uma redação de jornal.
Desde que engressei nessa redação tive que aprender a lidar com certas questões de hierarquia. Quem manda e desmanda aqui é meu chefe, Sr. Napoleão Bonaparte. Um senhor de baixa estatura, andava sempre com a mão no bolso, vivia com um sorriso amarelado no rosto e a única coisa que roubava a atenção de todos era seu belo par de olhos azuis. Aqui na redação do Jornal Bloqueio Continental, toda segunda-feira às nove horas eu devo mostrar ao Sr. Bonaparte a crônica que escrevi na noite passada, tal crônica que será publicada no mesmo dia às quinze horas
Na semana passada quando fui chamada para entregar a crônica ao chefe, aconteceu algo inusitado desde então. Ao entrar na sala, o Sr. Bonaparte qual era sempre gentil, me recebeu com um sorriso estampado no rosto fazendo um gesto para que sentasse na cadeira. Nesse dia foi diferente, ao invés de sentar em sua cadeira e me ouvir ler sobre a crônica, ele permaneceu de pé dando passos curtos a minha volta enquanto pedia que eu começasse a leitura. Comecei então:"Eram quatorze horas de um sábado ensolarado. O céu..." parei automaticamente ao sentir que suas mãos tocavam meu cabelo. Ao direcionar lhe o olhar, ele assentiu com a cabeça pedindo que eu continuasse. Continuei: "(...) estava azul e quase não se viam nuvens no céu...". Enquanto lia calmamente, sentia suas mãos envolvendo meu pescoço, continuei por acreditar naquele momento que não havia nada de mais. Suas mãos geladas começaram a descer sobre meus ombros chegando calmamente aos meus seios. Naquele momento não soube o que fazer. Me senti impotente, frágil e vulnerável. Queria ter forças para gritar e sair daquela sala, mas não conseguia. Fiquei sem reação. Logo eu, que sempre fui dona de mim naquele momento me tornei presa fácil para um velho babaca. Continuei a leitura até o final, minha voz não era mais a mesma e agora em minha garganta havia um nó. Ao sair da sala, percebi que não era somente a minha voz que havia mudado, eu também.
Não consegui denunciá-lo. Não consegui contar ao meu marido. Não consegui me defender e muito menos largar o emprego. Todas as segundas são iguais. Torço para que algum dia eu consiga ter forças para lutar pelo direito que tenho sobre o meu corpo e para conseguir um dia me sentir mulher novamente. Desde aquele dia, torço para que demore a chegada da segunda-feira. Torço para que as nove horas nunca cheguem. Torço para não ser chamada na sala daquele velho. Mas infelizmente eu sou, e o que acontece depois, vocês já devem imaginar...
Maria Antonieta
Quanta criatividade Maria Antonieta! E que assunto pesado. Só por escolher tratá-lo já merece meus parabéns. Além disso, está muito bem escrito. Pude sentir a aflição e o incomodo da personagem daqui. Seu texto potencializa os recursos jornalísticos, ultrapassa os limites do cotidiano, é perene e profundo, exerce o espírito cívico e evita definidores primários. Sem contar que acho que abre portas para interpretações antropológicas, já que as mulheres são as maiores vítimas de assédio, até no ambiente de trabalho :(
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