segunda-feira, 4 de julho de 2016

Vícios



Manhã de segunda-feira no escritório. Cada um que passava pela porta trazia olheiras fundas e copos de café nas mãos. Haviam perdido o costume de desejar "bom dia" uns aos outros. Afinal, não enxergavam nada de potencialmente bom no dia.

Três ou quatro funcionários começaram o expediente com uma pausa de cinco minutos para fumar no terraço do prédio. Não conversaram entre si. Entre uma tragada e outra, checavam suas redes sociais no celular. O Snapchat e o Instagram mostravam festas, bebidas e risadas do fim de semana que havia passado. A vida de todas aquelas pessoas parecia muito melhor do que a vida jamais poderia ser.

Enquanto isso, o chefe, em sua sala particular, trancava a porta para poder acessar alguns sites de pornografia. Ele não conseguia passar nem um dia sem assistir a esses vídeos. Fazer sexo, para ele, não tinha mais a mesma graça que costumava ter.

Deu o horário de almoço. Uma das estagiárias não desceu para almoçar. Disse à colega ao lado que tomaria um lanche que havia trazido de casa. Em vez disso, tomou algumas pílulas para ansiedade, depressão, e várias para emagrecer. Sua colega desceu sozinha mas, em vez de ir comer, foi ao shopping. O cartão de crédito já havia estourado, mas achou que não faria mal acumular mais algumas dívidas, já que as lojas estavam em liquidação.

Havia um restaurante de fast-food na rua paralela. Um dos assistentes foi até lá e fez seu pedido de sempre. Na semana anterior, ele havia almoçado hambúrguer, batata-frita e refrigerante 4 ou 5 vezes. Era o único momento de alívio em seu dia. Era difícil se preocupar com taxas de colesterol quando passava por ali, vendo aquelas fotos e sentindo aquele cheiro de gordura.

Quando voltaram, todos encheram novos copos de café para voltar ao trabalho. O cotidiano seguia exatamente o mesmo de todos os dias. Ao anoitecer, todos passariam algumas horas no transporte público para conseguir chegar em casa e assistir à Globo. Sem esses vícios, nenhum dos trabalhadores anônimos seria capaz de suportar a rotina que lhes era imposta. 

Lucy In The Sky

2 comentários:

  1. Nossa, muito bom! Com certeza alguém se identificará com algum ponto tocado. É super atual, é zeitgeist. Acredito que potencializa os recursos do jornalismo, pois observa muito bem. Além disso, amplia a visão da realidade, exerce a cidadania e é perene. Parabéns!

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  2. Muito bom o seu texto! Contém uma crítica extremamente forte e atual. Adorei como você conseguiu falar de diferentes vícios perigosos, com um ambiente em comum: o escritório de trabalho. Também gostei da menção da Globo como vício. Existe um ponto de vista psicológico e antropológico muito marcante, já que aborda um tipo de trabalho numa sociedade capitalista, a alienação que ele traz e o tipo de vida que um trabalhador moderno costuma ter. Acredito que você potencializou os recursos jornalísticos, criou um texto perene e profundo, foi além dos acontecimentos do cotidiano e exerceu a cidadania. Parabéns!

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