segunda-feira, 4 de julho de 2016

Ciranda da vida

 

Com oito anos, foi quando comecei a trabalhar com meu pai, como catador, para ajudar minha família. Eu, meus pais e mais seis irmãos dividíamos o teto, a comida, as roupas e as dores da fome. A minha infância foi no lixão e minhas brincadeiras por lá, não eram como as das outras crianças.

O dia começava e era como brincar de “Seu mestre mandou”. Nós íamos trabalhar, meu pai nos orientava e cada um ia atrás de encher os sacões de latinha, de vidro ou de papelão. O dinheiro que ganhávamos era pouco e todos nós tínhamos que coletar o máximo possível, senão faltava para a comida.

Para isso não acontecer, era como “Pique-pega”, a gente trabalhava quase o dia inteiro, com o sol ardente sobre nossas cabeças, o corpo dolorido, o cheiro insuportável e as mãos sempre machucadas, isso tudo para tentar ganhar mais e não acabarmos sendo pegos pela fome. A gente sabia muito bem o que era isso e então corríamos dela.

Ao final do dia, parecia a brincadeira do “Morto-vivo”. Meu pai exausto levava a carroça com quase todos os sacões, mas ela era muito pequena e também muito velha, então sempre sobravam algumas sacolas um pouco menores que a gente carregava de volta no trajeto. Meus olhos fechavam sem querer e era quando eu escutava eu pai dizendo “Aguentem firme, já estamos quase chegando” e assim eu acordava e ganhava um pouco mais de força para ajudar a alternar na vez de segurar as sacolas.

A gente chegava em casa geralmente na hora da janta, quando tinha, tudo dependia do resultado das revendas. Se assim fosse, corríamos famintos para a mesa, mas na verdade parecia mais a “Dança da cadeira”. Ao total éramos nove e como não tínhamos espaço para todos, sempre sobravam alguns de pé.

Assim era na hora de dormir, no “Uni-duni-tê, quem ia dormir na cama com quem. Era tudo revezado, mas dessa vez não tinha briga, todos já estavam bem cansados, querendo só um espacinho para repousar e começar no dia seguinte a “Caça ao tesouro” mais uma vez. 

Embalados pelas histórias que mamãe contava, de super-heróis e guerreiros valentes, nós dormíamos com um pouco mais de conforto e uma deixa de esperança. Ela fazia dessa a melhor parte do meu dia.

Eu não vivi meus sonhos, minha infância, eu os perdi por necessidade, os troquei por alguns tostões, vivi do trabalho e dele me tornei escravo. Mas dizem que é assim, é brincando que se aprende.

 

Lemos, Dante.

Um comentário:

  1. Bem bonito seu texto! Você escolheu expor a história sob um ponto de vista realmente interessante. Acredito que seu texto evita os definidores primários, é perene e profundo, exerce o espírito cívico, potencializa os recursos jornalísticos e vai além dos limites do cotidiano. Também acredito que tenha uma base psicológica no seu texto e na maneira como o menino enfrente as situações extremamente difíceis da sua vida.

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