segunda-feira, 18 de julho de 2016

Olhos de caleidoscópios


Lucy tinha 18 anos, nasceu em São Paulo, mas morava no centro do Rio desde os 12. Cursava Jornalismo em uma faculdade federal e sonhava em se graduar também em Ciências Sociais. 

Seus pais eram dois cinquentões, ex-hippies. Se conheceram nos anos 80, quando eram adolescentes, em um protesto contra a Ditadura Militar. Os dois, viciados em Beatles, não tiveram dúvida quando Carla ficou grávida: a menina se chamaria Lucy. Às vezes, André, seu pai, a chama de Lucy in the Sky. 

Lucy tinha o sol em seus olhos, como a letra da música sugeria. A cor mel sempre brilhava, principalmente quando iluminada pela luz do entardecer. Era a perfeita combinação para seu cabelo pintado de azul. 

A menina sempre viajava em sua mente, para um lugar distante. Sonhava acordada com lugares coloridos e doces. Mas não precisava de drogas para ir a esse mundo. Seu alucinógeno preferido era a imaginação. 

Escrevia, desenhava, pintava. Tudo que a fizesse ir para lá. Um céu distante, calmo e bonito. 

Tinha muitos amigos, mas seus pais eram os seus mais fiéis companheiros. Com eles, aprendeu valores que sempre levará consigo. Como por exemplo, a igualdade. De gênero, classe, etnia, orientação sexual. Igualdade.

Seus pais lembravam com sorrisos orgulhos a vez que Lucy presenciou, aos 6 anos, um menino de sua sala implicando com uma menina negra. Falando que na brincadeira de casinha, ela seria a empregada. Nunca a mãe, muito menos a líder. Bruna, com seus lindos cachos para o alto, chorava. Ela era a única negra em uma sala recheada de crianças brancas. Lucy se revoltou de tal forma, que, junto com o menino e com Bruna, foi levada para fora de sala. O garoto foi castigado pelos pais, Lucy foi parabenizada. 

“Concordo que ela agiu certo”, disse a professora à André e Carla, “mas vocês tem que entender que sua filha agiu de forma muito violenta. Bateu no menino, o empurrou, disse que ele não iria brincar mais. Na minha concepção, o diálogo deve ser sempre o caminho.”

Os pais fingiram concordar, acenando com a cabeça, mas assim que saíram da escola, levaram Lucy para lanchar no seu restaurante preferido, para recompensá-la. 

Até hoje Lucy carrega isso em sua memória. A violência não é algo que ela prega, de forma alguma. Ela só é forte e corajosa. E defende seus ideais com unhas e dentes. Assim como seus pais, gritando “Abaixo a ditadura!” 30 anos atrás.


Helena Seixas

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