segunda-feira, 4 de julho de 2016

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Um golpe desses não foi fácil esquecer. Lembro do amanhecer daquele domingo, o dia estava ensolarado, poucas nuvens no céu, ótimo para pegar uma praia. Eu estava na pensão, na sala, assistindo televisão. Tudo indicava uma reviravolta drástica para a maioria da população brasileira. 

Quando saí de casa minha mãe me encheu de conselhos, bons e ruins, disse que a nova vida na cidade grande seria complicada e ela não poderia estar mais certa. Ser aceita no mercado de trabalho não foi fácil, a crise era a culpada pelo número de pessoas desempregadas que habitavam os quartos e as ruas mais sujas da grande São Paulo.

Naquele domingo eu estava de folga. Havia pensado em sair e conhecer a cidade, mas com a iminência do golpe preferi ficar em casa e assistir os que decidiriam o futuro do país. Foram seis horas de puro horror. Xingamentos, gritarias e pequenos ‘shows’ protagonizados pelos políticos do Brasil. A câmara se tornou um palco de barbaridades. 

Com a aproximação do 342º voto a tristeza foi me consumindo. Já era clara a vitória dos ‘a favor’, mas eu preferia não acreditar. Me levantei e fui para o meu quarto arrumar a minha mala com a pior das expectativas para o dia seguinte. 

Nos meus sonhos houve uma reviravolta na votação e o golpe foi barrado, mas ao acordar descobri que esse sonho estava longe de ser real. No trabalho o clima era tenso, a empresa ia mal das pernas e há semanas ocorriam demissões inesperadas de funcionários novos e antigos. Quando Sr. José chegou e pediu que eu fosse em sua sala já esperava o pior. E aconteceu.

Hoje, 25/04/2016, estou chegando em casa depois de longos anos fora. A cidade não é mais a mesma, as pessoas não são mais as mesmas e eu não sou a mesma. Sofri um golpe, ou dois, ou três não consegui contar. Mas, o que mais doeu foi o que sofri com todos os brasileiros.


Mônica do Legião

2 comentários:

  1. Gostei bastante da forma que você exerce a cidadania ao fazer o leitor pensar, evita definidores primários na medida em que sai das fontes do senso comum e demonstra uma ampla visão da realidade. Acho que o seu texto não será lido da mesma forma daqui a alguns anos, visto que pode-se notar que você utilizou situações muito presentes na atual conjuntura do país. Entretanto, não acredito que isso prejudique muito no entendimento do seu texto.

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  2. Lindo Mônica! Adorei como você fala do golpe no congresso, fazendo paralelo com sua vida na cidade e a dificuldade de viver em um país com um governo tão corrupto, que o bem estar da população é a última preocupação. Realmente não tem perenidade, mas acho que esse tipo de texto nem de longe precisa ser perene. Creio que ele potencializa os recursos jornalísticos, vai além dos limites do cotidiano e exerce o papel cívico <3

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