segunda-feira, 4 de julho de 2016

O Morro



Moro no décimo sexto andar de uma alameda movimentada. Às vezes, quando o sono não vem ou simplesmente quando estou tomando meu café, gosto de ficar na sacada, observando aquela imensidão de casas e prédios, cada um com sua história. Daqui de cima vejo casas grandes, casas pequenas e talvez um lugar onde a maioria da população não quer, não pode ou não consegue ver, pois aqui do alto dos meus dezesseis andares de isolamento, posso ver um morro que parece ignorado pelos restos das casas. 


Apesar de todos parecerem de costas para o velho morro, ele não se deixa abater e se faz refletir na piscina da casa do dono do mercado local. Apesar de tamparem os ouvidos para ele, grita por socorro, pede água potável e um prato de comida. Às vezes parece tímido, mas na verdade é só a impotência daquele que se vê tampado por um conjunto de prédios. 


O bolo da modernidade ainda não chegou ao morro, ou se chegou, deixaram a pior fatia para ele. Aquela queimada, sabe? 


Quando alguma casa olha para o morro, é para ordenar que ele continue lá e que não incomode a ordem ou atrapalhe o progresso das outras casas. De vez em quando, as casas maiores deixam o morro chegar perto dela, desde que não entre na piscina, a não ser que seja para limpá-la. Ela até da um trocado para o morro.


Mas não adianta, o morro depois que foi sugado pelas casas, é mandando de volta para o seu lugar. No caminho, ele vai se enxergando nas construções, nos bancos e nas vendas. É tão difícil entender como que ao mesmo tempo em que tudo ele produz, nada a ele pertence. Marx também ainda não chegou ao morro.


Mas o morro não desiste e nem deixa se abater, quando chega, canta e dança por dias melhores. O morro não quer deixar de ser morro, apenas quer um morro diferente.


Tom

4 comentários:

  1. Achei bem interessante essa ideia que você apresentou! Ao meu ver, você conseguiu uttilizar no seu texto todos os elementos da "Estrela de Sete Pontas". Parabéns pela escolha do tema, que não tem recebido a atenção que merece pela nossa sociedade.

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  2. Como disse o Junior West, a sua crônica apresenta todos os elementos da Estrela de Sete Pontas, mas eu destacaria dois: a cidadania e o fato de você ter evitado definidores primários.Além disso, você cumpre um papel fundamental na minha opinião, o papel de denunciar as mazelas sociais. Parabéns!

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  3. Lindo seu texto! Concordo que as pontas das estrelas que mais se destacaram foram as do espírito cívico e de evitar definidores primários. Sem contar que do ponto de vista antropológico, seu texto é um prato cheio, já que a luta de classes é algo sempre muito estudado por sociólogos, antropólogos, etc. Só senti falta de uma abordagem um pouco mais psicológica, como, por exemplo, como o morro se sente em ser excluído e o porquê das elites quererem excluí-lo

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  4. Olá amigo Tom!
    Como todos os companheiros ja mencionaram, seu texto possui todas as pontas da estrela, parabéns! Ao ler seu texto, percebi que dentre todas as pontas, a cidadania chama toda atenção (não é atoa que já mencionaram isso também). Enfim, não tenho muito a dizer pois nossos amigos já falaram tudo husahus. Parabéns pelo excelente trabalho!
    Beijos perfumados da sua querida Maria Antonieta.

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