segunda-feira, 18 de julho de 2016

Cora



Cora cresceu, mas não queria ter crescido. Seu complexo de Peter Pan a fazia sentir falta da infância e de toda a inocência de não compreender as coisas ruins da vida. Observava as crianças brincando em sua rua e só conseguia enxergar luz. Não haviam sombras por perto. Ninguém parecia ter medo de que as sombras se aproximassem. 

Assim como Coraline, Cora também gostava de sair por aí procurando uma portinha para um mundo diferente. A realidade era chata demais, cheia de contas para pagar e preocupações. Para ter um motivo para levantar da cama todos os dias, Cora precisava imaginar, inventar, sonhar. Só assim conseguia ver cor em tudo que costumava ver em tons de cinza.

Cora não admitia, mas morria de medo do escuro. Deixava um abajur, sempre com a pilha devidamente carregada, em seu criado-mudo. O quarto dela era organizadíssimo. Seus pensamentos, no entanto, eram o oposto disso. Viver dentro de sua própria mente não era nem um pouco fácil. Era exaustivo tentar colocar em ordem uma bagunça daquelas. Tantas ideias, tantas reflexões, tantas vontades, tantas lembranças. A criatividade não cabia e transbordava, respingando em todos que estivessem por perto.

Cora passava muito tempo lendo textões de Facebook e refletindo sobre questões de movimentos sociais e minorias. Escrevia comentários enormes, mas nunca clicava em "enviar" - o medo da exposição era maior. Achava que a internet podia ser cruel demais. Cora tinha dificuldade de compreender a essência da crueldade. Quando via uma pessoa fazer mal a alguém propositalmente, era incapaz de ver um por quê naquilo.

Todas essas características de Cora faziam com que, para ela, escrever fosse tão natural quanto respirar. Todos que a conheciam não tinham a menor dúvida de que, um dia, ela seria uma grande escritora. E ela acabou sendo mesmo.

Por Lucy In The Sky

Um comentário:

  1. Concordo com tudo dito! Muito interessante você mencionar elementos do texto de Cora, sem deixar claro que são dela, como a sombra. Mostra a honra e a excelência dela, em sua habilidade e naturalidade para escrever e sua incompreensão em relação a injustiças. Seu texto potencializa os recursos jornalísticos, é profundo, tem uma visão ampla da realidade e rompe com o lead!

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