sexta-feira, 10 de junho de 2022

 CARTA AO FUTURO QUE NUNCA TIVEMOS


Caro Futuro, escrevo essa carta com uma intenção, quero que pare de transformar meus sonhos em pesadelos toda vez que eu durmo, quero que suma de minha plantação de pensamentos, que pare de ser essa erva daninha que destrói tudo a sua volta.

Lembro de estarmos as duas nessa cama planejando você, e agora, sozinha nesse quarto frio, vejo que a pior coisa que eu fiz foi ter idealizado você. Lembro das viagens que planejávamos, dos filmes que iríamos assistir juntas, dos nossos filhos, que planejávamos a vida inteira, enquanto eu brincava: Julieta vai ser artista igual a mim, e bonita igual a você. Mas agora, Julieta, nossa primogênita em minha mente, está morta e enterrada como indigente em um terreno de não amor, onde enterrei em uma caixa todas as coisas desse relacionamento que não deu certo.

Fui ver você nas cartas de Tarot esses dias, e por mais que eu acredite nessas coisas, penso que elas mentiram para mim. Elas disseram que poderíamos voltar a ser o que éramos, e que o nosso futuro podia ser igual o idealizado por mim, mas sei que isso é impossível agora. Você parece um barco, que vai cada vez mais longe, como um caixão gigante de madeira, que se movimenta lentamente no horizonte, levando tudo o que eu tinha, me deixando sozinho e melancólico, pensando se realmente valeu tanto a pena mudar minha vida para tentar construir um futuro com ela.

Uma coisa interessante que eu assisti em um podcast sobre fim de relacionamento é que o que destrói a gente em um término são três coisas em ordem de importância:  A rejeição que nós sofremos, a falta que a pessoa nos faz no dia a dia, já que estamos acostumados com ela, e o que mais nos impacta, a morte de um futuro com a pessoa. Sendo assim, vejo que o futuro é um veneno que ingerimos diariamente, algo como uma droga, que tomamos para sonhar e acabamos usando para nos matar, já que é desse jeito que me sinto agora, morta.

Enquanto escrevia essa carta, a música com a qual ela me pediu em namoro apareceu, e por um minuto e meio eu fiquei totalmente paralisada. Essa era a música a qual nós planejávamos que você iria entrar no altar do nosso casamento, e agora ela se tornou a marcha fúnebre do nosso futuro. Eu queria conseguir apagar essas memórias, como o Will Smith faz em MIB, mas talvez elas sirvam para algo no futuro, futuro real, e não você.

Por fim, meu caro futuro idealizado, eu me despeço e me despedaço, vendo que você é uma das piores coisas que uma mulher pode sonhar, e eu sei qual é o seu esquema: aparecer para nós, nos instigar, e depois ir necrosando a pele de nossos sonhos, enquanto aponta uma arma na nossa cabeça, e pior de tudo, não nos deixando puxar o gatilho de tal arma, pois quer ver nosso sofrimento ao ver que tudo que planejamos vai para a merda do ralo. 

Assim, para me despedir de vez, deixo aqui um poema que fiz para você, na tentativa doentia de conseguir entender os impactos que você trouxe para a minha existência e para a minha relação com o fim, espero que goste:


SONETO DO FIM

Eu ando derretendo pelo canto
Eu ando escrevendo um verso triste
Eu tento rogar praga a todo santo
Me machucar pra ver se algo existe

Por que tento esconder esse meu pranto?
Se em amizade ainda ela insiste
Eu destruiria esse desencanto
Mas algo em meu peito ainda resiste

Porque talvez eu ainda goste dela
Nossas fotos morrem em seu perfil
Eu me lembro de nossa piscadela

Lembro do seu abraço cor de anil
E mesmo que lembrasse com cautela
Tristezas-pensamento vem a mil.


Com amor, Ânima Bardot
Por Ânima Bardot

2 comentários:

  1. Gostei muito do seu texto, Ânima! A ideia de escrever para um futuro inexistente e idealizado de forma dolorosa foi muito bem executada. Os jogos com as palavras enriqueceram seu texto sem deixá-lo cansativo, muito pelo contrário: a leitura foi fluida e de fácil entendimento. Parabéns!

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  2. Achei muito interessante a sua escrita nesse texto, Ânima. Você vinha em uma linearidade de escrita, algo não 100% impessoal, mas também não mostrando tanto de si e suas dores. Nesse aqui, no entanto, você deixou muito claro como sabe sentir e nomear seus sentimentos. Gostei de como você relatou a fase de negação de um término, quando tudo parece irreal, o futuro imaginado parece muito mais distante do que quando existia em nossas mentes e só nos resta, enfim, muita raiva. Queria que seu texto tivesse tido um pouco mais de organização, mas entendo que essa foi a forma que você encontrou de vomitar palavras engasgadas. E, de qualquer forma, não acho justo querer que algo seja além do que já é.

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