sexta-feira, 3 de junho de 2022

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE AMOR


Eu não costumo falar de amor para desconhecidos, meus melhores textos são bem endereçados e intencionados também. Quando escrevo nessa seara, é para me envolver e me deixar envolver por alguém. Sou como o mar, com dedos longos pela praia, esperando meu banhista entrar, enchendo, transbordando pelos limites impostos a mim. Só quando sou profundamente desafiado, enfureço-me e dou a matar,mas em beijinhos ondulados, claro.


Sabendo disso,meu caro leitor, tente imaginar a minha felicidade quando me deparei com a crônica “A revolta do mar” de Lima Barreto. No primeiro momento, não dei muita atenção, na minha cabeça, seria apenas a narração de mais uma vingança da natureza contra a humanidade e sua mania de urbanização invasiva. Barreto começa contando como mais uma vez a Avenida Beira-Mar foi tomada pelas águas, no que seria um ataque de uma entidade muito poderosa. Até aí, nada demais.


Mas ele continua. Começa a  tecer a narrativa com elogios ao mar e referências mitológicas, construindo o retrato de um deus ao mesmo tempo forte e imprescindível. Chega a mostrar um poema de Mário José de Almeida, chamado “Ânsia do mar”, magicamente lindo e bem estruturado com detalhes sobre a natureza do mar, ou melhor, do monstro, como o Barreto escreve. E, conforme a leitura da crônica vai chegando ao fim, o mar vai passando de um deus todo poderoso para algo vulnerável ao toque humano.


“No começo, entraram por ele adentro com timidez; ele deu avisos de que não deveriam continuar.”(BARRETO, 1921).


Vejam que o mar se deu o trabalho de avisar. Eu achei isso tão poético, mesmo sabendo que Lima Barreto estava tratando de um tema seríssimo.Só que eu sou um apaixonado convicto, ao ler, quero que imediatamente tudo faça sentido para mim. O que acabou acontecendo também com essa crônica. Entenda o porquê fiquei embasbacado. O mar, mesmo sendo majestoso,incrivelmente belo e perigoso, pode ser vulnerável. Ele deixa ser invadido por homens fracos e gananciosos. Permite ser enchido de lama, sofrer calado em sua grandeza, como se não sentisse dor. Para, em um rompante enfurecido, investir a mágoa espessa contra tudo que esteja ao seu redor, devolvendo lama e dor para a humanidade.


Lindo e cruel, do jeitinho que eu gosto.


Volto a dizer que me reconheço na salinidade e ferocidade dessa força da natureza.Porque amo intensamente em meus cantos, em minhas ancas,em meu suor. E me deixo ser invadido por forasteiros quando suas almas cintilam no meu horizonte pacato. Sou tão grande, penso eu, que nada seria capaz de me tirar do prumo e impedir que eu exerça minha autoridade sobre a areia. Até que me enchem de lama, as falsas esperanças que pulam da boca de farsantes, conspurcando minhas águas cristalinas de uma substância tão fedorenta quanto o odor de fezes de galinha choca.


Bebo do veneno.Trago do cigarro amargo. Ah, as coisas que engulo por amor…Se eu não fosse forte,já teria morrido pelas boas intenções. Se eu não fosse eu, esse mar um tanto revolto, nem estaria mais aqui para contar essa história, porque já teria sucumbido pelas mágoas.


Mas o mar está sempre alerta, mesmo quando calmo e sereno.



Abaixo um simples poeminha


Como alvo perfeito

sufoco no peito

atingido

todo meu gemido

mas eu arranho

mato, barganho

desenho na pele atrevida

minha vingança.


Sim,usei a letra de “Fera ferida” da Bethânia como inspiração.

Por Liev Vitorino

Um comentário:

  1. Querido Liev Vitorino, Sua poesia particular nos invada e faz com que a gente queira ficar mais, ler mais. Seus textos nos envolve e é simplesmente impossível interromper a leitura.
    Parabéns e parabéns!!!!

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