ENTROPIA
Cara Vênus, eis-me aqui, novamente entrelaçado em seus braços, hipnotizado por sua beleza estonteante, representante das almas errantes, sempre à sua disposição, em constante oração e fiel a sua condição. Cara Vênus, esta carta é apenas mais uma demonstração de meu eterno amor e admiração, apenas mais uma tentativa de expor a ti tudo que me incomoda, me corrói, destrói e me transforma internamente. Gostaria de dizer para ti, ou melhor, gritar, berrar e me transbordar acerca dos meus sentimentos, acerca do presente, acerca da possibilidade de amar. Cara Vênus, você acima de todas as outras é inspiração, paixão e consolação nos tempos difíceis; você é consagração nos tempos do amor. Querida Deusa, tenho tanto a te falar, tanto para contar, tanto para extravasar, que mal sei por onde começar.
Devemos começar pelo começo. Devemos começar pelo inesperado. O conceito de entropia define como regra a tendência universal à desordem. O universo em si está em constante expansão, em constante transformação. O que antes estaria contido num espaço que nós, seres humanos, seríamos incapazes de quantificar, numa densidade inimaginável, explodiu, saiu do controle, a desordem toma conta e a agitação de moléculas se torna a lei. Agitação, calor, expansão, desordem, caos...vida. O universo expande-se, além de qualquer limite ou barreira, ele quebra toda e qualquer expectativa, ultrapassa absolutamente tudo que se coloca à sua frente (que no caso seria o vazio, e ultrapassar o nada seria considerado ultrapassagem? Enfim...). Heisenberg também nos apresenta o seu princípio da incerteza que em resumo define como maldição do homem a incapacidade de prever o futuro, apenas nos permite olhar o passado e traçar probabilidades. O princípio discorre sobre a incapacidade de prever a velocidade e a posição de uma partícula ao mesmo tempo, visto que ao medir um dos aspectos com precisão, o outro se altera bruscamente dada à quantidade elevada ou diminuída de energia aplicada. Caso tal façanha fosse possível, com informações sobre posição e velocidade presentes de uma partícula, sua localização futura seria facilmente identificada, mas não, não é possível que isso ocorra e sim, tudo isso se aplica à nossa vida. A incapacidade de controlar a desordem e a tendência do desconhecido de nos surpreender dada a impossibilidade de prever futuro são a tônica da vida humana e o que poderia ser mais humano do que falhas, incapacidades e falta de controle? Não que você já não saiba sobre tudo isso, mas me fascinam imensamente essas teorias, postulados e a relação das leis universais com o curso de nossas vidas.
A entropia e a incerteza regem nossas vidas. Não poderia jamais imaginar, prever ou até mesmo sonhar com os acontecimentos presentes. A beleza do incerto que de certo irá nos pegar desprevenidos, as nuances deste vasto universo inatingível, mas ao mesmo tempo tão próximo, cercando-nos e guiando-nos pelo tempo e pelo espaço. Cara Vênus, seu companheiro universo é tão misterioso quanto você e merece tanta atenção quanto seus mais divinos aspectos.
Ó universo em constante desalinho, universo que magoa, entristece e nos coloca pra baixo, universo que alegra, surpreende, me confere calafrios, arrepios, frio na espinha, borboletas no estômago; universo que me deu o amor, universo que me amou, universo que eu amo.
Você é meu universo, minha vênus, minha deusa, minha estrela, um astro do escopo de gigantes estelares, algo que na criação teve origem caótica mas ao nos deixar exala uma beleza nunca antes vista, nunca antes imaginada; uma supernova.
Cara Vênus, afrodisíaca deusa do amor, roguei-lhe por muito tempo para que não se esquecesses de mim, porque eu, teu fiel servo, segui sempre vossos passos, vossos mandamentos, de prevalecer, e fazer permanecer o amor como o mais importante e indispensável dos sentimentos. Aquilo que faz com que o coração palpite, o sangue corra, a pele esquente, os pelos se arrepiem. Aquilo que move o homem, move o mundo, o mais nobre dos sentimentos. Aquilo que nos faz ter picos de felicidade em milésimos de segundo, aquilo que nos coloca pra baixo na mesma velocidade. Pedia-te sempre uma nova chance, uma chance de enamorar-me, entrelaçar-me numa paixão. Que não me deixasses corromper pelo ódio e tristeza, pelo medo do fim e incertezas do começo. Pedia-te que me deixasses viver de novo e experimentar, nem que seja por um segundo um amor novo. Gostaria de me apaixonar sob a luz do luar e apreciar teu incandescente brilho estrelar ao lado de alguém que fizesse valer a pena essa maldição secular, o ofício do estar, que ouvindo chorar nos recebe e como num estalar se esvai: a vida.
Cara Vênus, encontro-me no meio desta história e nem se quisesse poderia lhe contar do fim. Sobre o fim, de certo, contar-lhe-ei presencialmente e, potencialmente, ao lado de alguém que tenha feito valer a pena todo o caos, desordem, e loucura do universo. Alguém que chegou tão rápido quanto a luz, alguém que é minha luz. Este alguém que faria minhas pernas tremerem, que faria o coração dar uma escorregada, ficasse fora de compasso, alguém que seria conforto, fogo, felicidade e esperança; tudo ao mesmo tempo. Esse alguém que quase não parece real, que exala perfeição e a mera aproximação já permite sua identificação, mesmo que sem te ver, eu te sinto. Esse alguém que, sinceramente, não precisaria de mais ninguém, mas que de tão benevolente abre espaço no coração e me acolhe, conferindo a um antes triste poeta a esperança e o brilho da vida, o advento das palavras e, o mais importante, dos sentimentos. Alguém que me faz sentir, me faz querer viver, que me tira do sério e da mesmice e sacode tudo que antes era chatice. Esse alguém que é sim possível, mais do que isso, irreal de tão real.
Cara Vênus, perdoe-me pelo relato confuso, mas no momento me encontro em parafuso no meio de um tufão sentimental. A entropia de fato rege a vida e até mesmo esse texto. Na vida, me surpreendendo a cada instante, e aqui, quase me levando à loucura e tornando esse relato desordenado, confuso, cheio de nuances, tempos empregados e essa enxurrada de sentimentos, quase um vômito monumental, algo que nem eu mesmo sei controlar. Na ressaca constante que é a vida você é minha estrela-guia, o motivo de não desistir jamais, você é o caos que eu tendo sempre a amar, você é a incerteza que eu quero pra sempre abraçar.
Até logo, cara Vênus.
Com carinho, Ford Prefect.
Por Ford Prefect
Parabéns pelo texto, Ford! Gostei muito dos recursos intertextuais e pela insistência no vocativo.
ResponderExcluirSeu texto foi muito interessante, Ford. Com certeza bem diferente dos outros e, ainda assim, mexeu comigo.
ResponderExcluir"encontro-me no meio desta história e nem se quisesse poderia lhe contar do fim" como é interessante ter essa mesma sensação. Achei muito interessante a sua forma de empregar as palavras nesse texto, como sempre acho interessante a sua escrita.