sexta-feira, 10 de junho de 2022

 Meu eterno carnavalesco, 


Escrevo para ti na intenção de compartilhar um pouco da minha atual experiência no plano terreno. De antemão, gostaria de avisá-lo que o mundo não é mais aquela imensidão de felicidade da minha infância. Naquela época, nossa família ainda morava no sobrado branco, compartilhava o mesmo quintal, se reunia para almoçar nos finais de semana e comemorava os aniversários com grandes festas. A vida era mais tranquila e prazerosa de se viver no início dos anos 2000. No entanto, os ares de mudança chegaram quando perdemos a Laís – minha prima e sua neta – aos dez anos de idade. Apesar de ainda ser muito jovem, pude sentir a dor de não ter mais aquela que passou a infância toda ao meu lado. Crescemos juntas, mas nossa trajetória em conjunto foi interrompida pela dengue. Infelizmente, depois desse episódio sofremos cada vez mais desfalques… Incluindo você, que alguns anos depois se despediu quando desistiu de lutar contra o câncer. Agora, a maioria da velha guarda já partiu e nossa família não soube preservar a união de outros tempos. Os membros que restaram encontram-se cansados e perdidos. Alguns mergulharam em vícios que não conseguem largar. E no meio de todo esse desgaste emocional, eu continuo observando tudo com grande lamento.

Nesse sentido, acho importante deixar claro o quanto a sua ausência ainda me abala. Confesso que a sua partida deixou um grande vazio em mim. Naquele dia eu estava no cinema com alguns amigos. Assistimos ao filme “O homem do futuro” com trilha sonora da Legião Urbana. Quando a sessão terminou, uma amiga recebeu a ligação da minha mãe com a notícia. Fiquei desolada. Depois daquele dia, toda vez que ouço a música “Tempo perdido” lembro automaticamente de você. Desabo em lágrimas.   


Então me abraça forte

E diz mais uma vez que já estamos

Distantes de tudo

Temos nosso próprio tempo

Temos nosso próprio tempo

Temos nosso próprio tempo 


Sinto que não tive tempo de expressar o quanto você foi e ainda é importante na minha trajetória. Também sinto sua falta nos momentos mais tristes e nos mais felizes da minha vida. Você foi a figura paterna que eu não encontrei no meu progenitor. Você me compreendia muito bem. Tínhamos um vínculo. De você, herdei o amor pelo carnaval e pelo mundo do samba. Até hoje nunca perdoei minha mãe por não ter me deixado desfilar com você na Cubango. Mas, eu não sabia que anos depois desfilaria pela primeira vez justamente na sua escola do coração. Coincidência, não? Lamentavelmente, você não estava mais aqui e não compôs o samba campeão. Mesmo assim, pensei em você o desfile inteiro. 

No começo desta carta, a intenção era falar um pouco sobre a minha vida atualmente. Conversar como nós fazíamos após suas sessões de tratamento. Contudo, senti a necessidade de expor minha dor e algumas lembranças que carrego. Ainda estou conectada a essas memórias, como também ainda tenho muito a dizer para você. O tempo te roubou de mim. Mas o coração faz questão de recordar todo o meu amor por você.  


Com imensa saudade, da sua amada sobrinha Elizabeth Bennet.

Por Elizabeth Bennet

6 comentários:

  1. Parabéns pelo lindo texto e escrita delicada. Foi muito bom ler essa carta e acredito que, mais importante do que mandar boas notícias do lado de cá é enviar o que urge em sua alma, pois é assim que você oferece o que tem de mais verdadeiro e sincero. Também acredito que as pessoas que se vão ficam nas coisas que herdamos delas e, pelo que escreveu, há muito dele em você.

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    1. Akil, muito obrigada pelo elogio! Realmente, também acredito que herdamos muitos traços de pessoas que se foram, ainda mais quando convivemos bastante com elas.

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  2. Elizabeth, chorei muito lendo esse texto, pois também sinto saudades de uma pessoa muito importante na minha vida e sei que a saudade é exatamente esses pensamentos que você descreveu. No fim, como é bom guardarmos todas essas memórias dentro do nosso coração. Gostei muito de como você se aventurou nesse texto, se despindo completamente e mostrando seus sentimentos.

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    1. Nico, esse foi um dos textos mais difíceis de escrever. Também chorei bastante no processo. Sinto muito pela sua perda. Espero que as suas boas lembranças sirvam de acalento para os dias de imensa saudade!

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  4. Fiquei muito emocionada com seu texto, Elizabeth! Em cada palavra, lembrei do meu avô: perdê-lo foi um dos maiores golpes que sofri na vida. Você descreveu sua saudade de forma tão bela e delicada que, além de me identificar, não pude segurar as lágrimas. Que essa lembrança permaneça viva por muitos carnavais!

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