sexta-feira, 17 de junho de 2022

 Poder

Não conseguirei seguir o gênero crônica nesse texto. Isso porque o desejo sempre foi, para

mim, algo muito além da famosa vontade de fazer amor. De dar carinho a quem se ama.

Quando perguntado o que eu imaginei ao ler o texto da Patrícia, acho que não pude fugir da

espiral que me levava até o canto escondido de um corpo que não posso dizer, como a autora,

que possuo. Mesmo que eu queira.

Dificilmente existe algo muito profundamente poético escondido nos ruídos animais e no

toque brusco da minha mão tateando um corpo em busca de colocar para fora, de algum jeito,

uma dor que eu ainda não entendo se é boa ou ruim. Existe, no entanto, algo

milimetricamente versificado e escondido na meia luz de um quarto, enquanto eu busco um

romance na mistura de fluidos e no toque da sua língua pelas minhas costas. Assim, eu

quebro toda a ideia de uma crônica nessa escrita.

Quando perguntado o que eu imaginei ao ler o texto da Patrícia, aconteceu o que eu não

queria: eu imaginei uma situação muito específica, seguida de “pensamentos invariáveis”

muito específicos e que rondavam, loucamente, toda a extensão do seu corpo jogado no chão.

Pisado, sujo, melado. Não existem muitas palavras porque, como no texto, meu pensamento

não varia quando eu imagino as marcas do seu rosto se formando ao fechar os olhos com

força. Há alguma forma de variar? Ou melhor, alguma forma desse texto não virar uma carta

endereçada ao choque do meu corpo contra o seu?

Não vou entrar na ironia que permeia um poema sobre sexo que fala sobre não poder quando,

no fundo, a consumação do ato carnal é sobre poder. Poder falar sobre ele. E poder cuspir,

poder gritar. Sobre o poder. Quase como o que você exerce sobre mim, ainda que por alguns

instantes perdidos.

Eu aponto a contradição em um texto que não escrevi porque, no fim, quero fugir da noção

do quão vergonhosamente irônico é não receber o poder de chamar de meu o seu gosto quase

imoral.

Não posso chamar de meu

por isso, não chamo

Que merda.

Por Nico

3 comentários:

  1. Querido Nico, o poema te atingiu fortemente e vejo que e reflexão acerca dos "pensamentos invariáveis" é algo constante. Sinto muito por você não poder esbravejar o quanto quer, o quanto precisa, aquilo que te aflige, que te toca, que você deseja. Lamento não poder chamar de seu um sentimento criado exclusivamente por você.
    As imagens muito bem colocadas por você me levam a imaginar uma relação quente, vulgar, característica das fortes paixões, característica daquilo que sabemos que não podemos ter.
    Se eu posso dizer uma coisa que seja, digo: corra atrás. Pegue pra você com força e grite ao mundo o quanto está feliz, porque enfim tem um amor pra chamar de seu.

    ResponderExcluir
  2. Nico, você é um escritor maravilhoso, sinto que poderia ler suas crônicas todo dia e não ficaria cansada. Ótimo texto!!!

    ResponderExcluir
  3. Nico, achei impressionante como nossas interpretações e construções do texto dessa semana se cruzaram! Assim como você, o meu texto também é direcionado para uma pessoa específica. Pude perceber como o poema mexeu com você e o incentivou a escrever. Parabéns!

    ResponderExcluir