sexta-feira, 17 de junho de 2022

 O não dito


Talvez eu tenha entendido tudo errado. Se bem que não dá para entender errado uma poesia que também é minha. 


Isso, claro, se supusermos que nossas experiências nos pertencem. Vendo dessa forma, seja qual for o desfecho deste texto que nasceu meio tímido, sem jeito, ele pertencerá a todas, ou todos nós: à autora, a mim, e a você que me lê. Mas talvez nada seja assim tão nosso, você não acha?


À exceção de uma coisa: aquilo que (não) dizemos. Porque pensar é involuntário, mas dizer é uma escolha: há palavras que fluem facilmente, leves e confortáveis como uma brisa de verão, ou como o manto de microfibra que você provavelmente já tirou do armário a essa altura do campeonato. Mas no fundo, lá no fundo, estão os nossos desejos. 


Não estou falando do desejo de ganhar cinquenta milhões na Mega-Sena, mas aquele desejo de estrangular a pessoa que você mais ama. O desejo de fazer o mal, a coprofilia, o gozo de ser a grande vítima da história e o que mais sua cabecinha infame puder inventar. 


O que você não pode dizer é seu. Só seu. 


A não ser que você resolva gritar para a turma inteira ouvir. Ou contar só para mim, e tudo o que disser será nosso grande segredinho pessoal (não aconselho esta última opção, porque assim eu seria um pouco dona de você, um peso que não sei se posso carregar).


Talvez o primeiro campo de guerra seja o da palavra. Uma guerra interna, de medo, vergonha, desejo. Uma autofagia.

Por Karmen Chameleon

2 comentários:

  1. Karmen, você é, sem muitas dúvidas, uma das pessoas que eu mais gosto de ler nessa disciplina. Seus textos sempre fogem da lógica usual e são sempre muito viscerais, certamente já comentei isso em algum outro texto seu.

    Com esse não foi diferente. Além de ter chegado muito perto do que também pensei ao ler o poema, você me lembrou que o que eu guardo é só meu. Principalmente quando eu lembro que estou, enquanto digito essas palavras, em uma batalha entre que devo e o que não devo falar para alguém. Obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Querida Karmen, gostei muito da sua observação sobre as nossas experiências nos pertencerem, ainda mais quando falamos de leitura e interpretação textual. De fato, o primeiro campo de guerra é a palavra, quando precisamos transpor em literatura nossa visão e sentimentos sobre determinado tema. Parabéns pelo texto!

    ResponderExcluir