O não dito
Talvez eu tenha entendido tudo errado. Se bem que não dá para entender errado uma poesia que também é minha.
Isso, claro, se supusermos que nossas experiências nos pertencem. Vendo dessa forma, seja qual for o desfecho deste texto que nasceu meio tímido, sem jeito, ele pertencerá a todas, ou todos nós: à autora, a mim, e a você que me lê. Mas talvez nada seja assim tão nosso, você não acha?
À exceção de uma coisa: aquilo que (não) dizemos. Porque pensar é involuntário, mas dizer é uma escolha: há palavras que fluem facilmente, leves e confortáveis como uma brisa de verão, ou como o manto de microfibra que você provavelmente já tirou do armário a essa altura do campeonato. Mas no fundo, lá no fundo, estão os nossos desejos.
Não estou falando do desejo de ganhar cinquenta milhões na Mega-Sena, mas aquele desejo de estrangular a pessoa que você mais ama. O desejo de fazer o mal, a coprofilia, o gozo de ser a grande vítima da história e o que mais sua cabecinha infame puder inventar.
O que você não pode dizer é seu. Só seu.
A não ser que você resolva gritar para a turma inteira ouvir. Ou contar só para mim, e tudo o que disser será nosso grande segredinho pessoal (não aconselho esta última opção, porque assim eu seria um pouco dona de você, um peso que não sei se posso carregar).
Talvez o primeiro campo de guerra seja o da palavra. Uma guerra interna, de medo, vergonha, desejo. Uma autofagia.
Por Karmen Chameleon
Karmen, você é, sem muitas dúvidas, uma das pessoas que eu mais gosto de ler nessa disciplina. Seus textos sempre fogem da lógica usual e são sempre muito viscerais, certamente já comentei isso em algum outro texto seu.
ResponderExcluirCom esse não foi diferente. Além de ter chegado muito perto do que também pensei ao ler o poema, você me lembrou que o que eu guardo é só meu. Principalmente quando eu lembro que estou, enquanto digito essas palavras, em uma batalha entre que devo e o que não devo falar para alguém. Obrigado.
Querida Karmen, gostei muito da sua observação sobre as nossas experiências nos pertencerem, ainda mais quando falamos de leitura e interpretação textual. De fato, o primeiro campo de guerra é a palavra, quando precisamos transpor em literatura nossa visão e sentimentos sobre determinado tema. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluir