Acordou de um lado da cidade seu João. Eram quatro da manhã, mas precisava pegar as conduções que o levariam até o serviço. Arrumou-se às pressas, pois já estava atrasado. Enquanto mastigava o pão duro de dias atrás pensou em como o pobre já acorda atrasado. Engoliu o café ralo e correu até o ponto de ônibus. Não podia chegar atrasado, precisava do dinheiro para sobreviver. Deu sinal, subiu no ônibus superlotado e suspirou. Todavia, mantinha-se esperançoso, já que, o pastor havia lhe falado que quem é temente a Deus é recompensado. Cochilou em pé enquanto seu primeiro ônibus do dia sacolejava.
Do outro lado da
cidade, na Zona Sul, roncava feito um porco gordo pronto para o abate, Senhor
João, dono daquele mercado de rede. A empregada preparava seu café
enquanto o velho dormia. Ele era metódico e rígido, seus empregados tremiam em
sua presença. Havia herdado os negócios do seu pai e, além do mercado, possuía
algumas lojas. Entretanto, acreditava fielmente na meritocracia e costumava
dizer que viva num país de vagabundos, por isso ninguém prosperava. Às oito acordou,
tomou o café, após reclamar de tudo que a empregada havia feito desde cedo, e
seguiu seu caminho para o mercado.
Em desespero, seu João percebeu que
atrasaria. Dormiu e perdeu o ponto que deveria ter descido e agora, com
dinheiro contado, teria que andar para alcançar a outra condução. Não era culpa
dele, afinal, dormira pouco e carregava peso. Mas, sabia que Senhor João
não aceitaria desculpas. Ele deveria ter chegado ao mercado às seis, porém, já
eram sete. Com um aperto no peito, algumas moedas no bolso e o estômago já embrulhado
de fome encaminhou-se ao seu destino.
Senhor
João chegou ao mercado e logo encontrou um de seus funcionários. Não sabia o
seu nome e o julgava como um grande incompetente.
-Bom dia, Senhor
João. Sei que hoje o Senhor pediu que eu chegasse às seis, mas acabei
perdendo o ônibus e...
- Não importa,
será descontado do salário. Bom dia, estou ocupado. – O dono do mercado logo
tratou de o interromper.
- Tudo bem. – seu
João abaixou a cabeça e seguiu para o trabalho. Foi carregar carnes que não
poderia comer e organizar produtos que não teria dinheiro para comprar.
Enquanto isso, de
seu escritório, com as pernas para cima Senhor João compartilhava uma
publicação em suas redes sociais. A postagem dizia “Nem esquerda e nem direita,
mas para frente. O Brasil precisa do progresso.” Vale mencionar, que era época de eleições e o velho sabia muito bem para que direção seguir e em quem
votaria. Seguiria a direção do progresso que apenas poucos poderiam enxergar.
Continuaria no caminho que faria a elite explorar e chamar os explorados de
incompetentes por não conseguirem cumprir uma demanda desumana. Queria manter privilégios,
queria que seus funcionários continuassem a comer pão velho, carregar carnes e
produtos que não podiam comprar. E isso tudo, porque ele queria comer caviar.
Por Vênus.
Nossa,essa crônica resumiu tantas pessoas e realidades. De fato,muitos pessoas só pensam em comer caviar,enquanto outras não tem nem o que comer.
ResponderExcluirEu amei a crônica, a maneira como foi escrita o assunto, como os personagens são retratados. Esta muito bom
ResponderExcluirMuito boa a crônica Vênus!
ResponderExcluirPerfeito
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