sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Eles querem comer caviar

     Acordou de um lado da cidade seu João. Eram quatro da manhã, mas precisava pegar as conduções que o levariam até o serviço. Arrumou-se às pressas, pois já estava atrasado. Enquanto mastigava o pão duro de dias atrás pensou em como o pobre já acorda atrasado. Engoliu o café ralo e correu até o ponto de ônibus. Não podia chegar atrasado, precisava do dinheiro para sobreviver. Deu sinal, subiu no ônibus superlotado e suspirou. Todavia, mantinha-se esperançoso, já que, o pastor havia lhe falado que quem é temente a Deus é recompensado. Cochilou em pé enquanto seu primeiro ônibus do dia sacolejava.

    Do outro lado da cidade, na Zona Sul, roncava feito um porco gordo pronto para o abate, Senhor João, dono daquele mercado de rede. A empregada preparava seu café enquanto o velho dormia. Ele era metódico e rígido, seus empregados tremiam em sua presença. Havia herdado os negócios do seu pai e, além do mercado, possuía algumas lojas. Entretanto, acreditava fielmente na meritocracia e costumava dizer que viva num país de vagabundos, por isso ninguém prosperava. Às oito acordou, tomou o café, após reclamar de tudo que a empregada havia feito desde cedo, e seguiu seu caminho para o mercado.

     Em desespero, seu João percebeu que atrasaria. Dormiu e perdeu o ponto que deveria ter descido e agora, com dinheiro contado, teria que andar para alcançar a outra condução. Não era culpa dele, afinal, dormira pouco e carregava peso. Mas, sabia que Senhor João não aceitaria desculpas. Ele deveria ter chegado ao mercado às seis, porém, já eram sete. Com um aperto no peito, algumas moedas no bolso e o estômago já embrulhado de fome encaminhou-se ao seu destino.

    Senhor João chegou ao mercado e logo encontrou um de seus funcionários. Não sabia o seu nome e o julgava como um grande incompetente.

    -Bom dia, Senhor João. Sei que hoje o Senhor pediu que eu chegasse às seis, mas acabei perdendo o ônibus e...

    - Não importa, será descontado do salário. Bom dia, estou ocupado. – O dono do mercado logo tratou de o interromper.

    - Tudo bem. – seu João abaixou a cabeça e seguiu para o trabalho. Foi carregar carnes que não poderia comer e organizar produtos que não teria dinheiro para comprar.

    Enquanto isso, de seu escritório, com as pernas para cima Senhor João compartilhava uma publicação em suas redes sociais. A postagem dizia “Nem esquerda e nem direita, mas para frente. O Brasil precisa do progresso.” Vale mencionar, que era época de eleições e o velho sabia muito bem para que direção seguir e em quem votaria. Seguiria a direção do progresso que apenas poucos poderiam enxergar. Continuaria no caminho que faria a elite explorar e chamar os explorados de incompetentes por não conseguirem cumprir uma demanda desumana. Queria manter privilégios, queria que seus funcionários continuassem a comer pão velho, carregar carnes e produtos que não podiam comprar. E isso tudo, porque ele queria comer caviar.

                                                                                               Por Vênus. 

 

4 comentários:

  1. Nossa,essa crônica resumiu tantas pessoas e realidades. De fato,muitos pessoas só pensam em comer caviar,enquanto outras não tem nem o que comer.

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  2. Eu amei a crônica, a maneira como foi escrita o assunto, como os personagens são retratados. Esta muito bom

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