A situação são dois jumentos conversando. Jumentos mesmo, daqueles equinos que
carregam a carga operária de cinco dos homens industriais mais fortes. Aos mais jovens,
vale lembrar que a ofensa "jumento" fora dada muito depois da criação do animal, que veio
das mãos de Deus tal qual a gloriosa águia americana ou o corajoso rei leão. Embora
mal-tratados, esses pobres animaizinhos são servos da exploração, restritos ao
entretenimento comum, contidos pelos seus senhores, e especulados como "burros de
carga".
A tensa rotina de trabalho desses animais é organizada com um horário de almoço entre
dois períodos de trabalho contínuo, onde os jumentos se reúnem perto de uma bacia de
água parada. É aí, então, que um dia um jumento, com toda estampa de vencedor, senta
para descansar ao lado de outro jumento um tanto quanto reflexivo.
-Diga aí, jumento, como andas? - disse um dos jumentos
-Meio cansado. Meio... deprimido... - disse o outro
-Eu ando no auge, sabia? Hoje mesmo o senhor de cabelo preto me mandou ir até a
cidade vender cenouras e repolhos. Eram centenas de legumes. Vendi tudo em duas horas.
O senhor ficou tão orgulhoso, mas tão orgulhoso, que me deu duas maçãs. Quão
suculentas elas estavam, amigo jumento! - suspirou um sorriso e olhou para frente, onde via
ao horizonte, dúzias de outros jumentos com suas canecas na mão, bebendo daquela
insalubre água.
O outro jumento ouvia aquela história sem nenhum interesse, concordava com a cabeça e
com um sorriso de meia boca. Por respeito ao camarada operário, não levantou nenhuma
reflexão, por mais sadia que fosse, sobre o valor irrisório de uma tarefa que por aparência já
soava complicadíssima.
-No caminho - continuou o primeiro jumento - eu ainda tive que andar em uma estrada de
asfalto que me cortava o pé a cada passo, com o sol flamejante que subia do chão e caia
direto nos meus olhos. Eu estou sem as viseiras, né, você lembra... O senhor me disse que
não tenho direito nem de reembolso, mesmo que em caso de acidente de trabalho. Bem,
agora meus olhos doem, sinto que vou ter que ir no oculista pra ver essa mancha clara que
me apareceu na vista desde então. Minhas patas também ardem muito, surgiram algumas
queimaduras que não me deixam em paz. Mas valeu a pena, as maçãs estavam ótimas.
Estavam realmente ótimas... eu juro. - e emudeceu-se.
Os dois jumentos, por fim, encerraram a conversa, ambos introspectivos, ambos em
silêncio, contando as mordidas de carrapato por minuto que aconteciam em suas orelhas.
por Drauzio foi ao Mercado
Que texto inusitado kkkk
ResponderExcluir