quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Antes de mim

 Eu não sei muito bem o exato momento em que paramos e pensamos: "então sou só eu por mim?". Bom, dizem que uma hora todos terão essa concepção. Quando a gente cresce em uma família estruturada, não necessariamente uma de comercial de margarina, claro, mas uma onde tem afeto, afago, aconchego...enfim, acho difícil mesmo pensar que você está sozinho no mundo. Eu cresci em uma assim. Vestidos, laços e fitas. Historinhas antes de dormir. Beijos antes de sair. Desenhos na geladeira. Carinha feliz na batata e sopa de letrinhas. Choro ao entrar na escola porque não queria sair do colo. Colo, ah...por que fui mencionar? Esse, sem dúvidas, é o que mais desperta saudade. Quase tudo desperta saudade dos famosos dias onde todos os dias eram bons. Mas como eu disse, cresci. E me senti sozinha no mundo. Os vestidos viraram um "vai aonde com essa roupa?". As histórias antes de dormir viraram ora um boa noite, ora um aviso para não esquecer de fazer tal tarefa. Sair sem avisar é normal. Na geladeira sem marcas de mão, por favor. Se quiser jantar, está na mesa. E o colo, bem, esse aí  não sei como é ter faz um bom tempo. Sabe, muitas vezes eu quis contar para a minha mãe o porquê do choro na noite passada. Machuquei, mas não foi o joelho, mãe. Fiz um novo amigo. Briguei com as meninas. Dancei demais na festa. Muitas coisas quis falar, mas não achei espaço. Não me coube lá dentro. Ao meu pai, quis contar que a primeira apresentação de dança que ele faltou foi a minha primeira experiência de um coração partido. Ele esteve lá em tantas delas, mas deixou de ir em uma, depois em duas, até nunca mais. Mas tudo bem, tem que trabalhar. Fica cansado, eu sei, porém uma pena esse cansaço ter o privado de me ver ganhar a competição, de ter ido àquela festa comigo, de comemorar que passei na faculdade e de todos aqueles momentos que jamais voltarão a ser iguais. Nada vai ser igual. Não dá para culpar ninguém. Não escrevo isso na intenção de transferir tamanha responsabilidade das minhas frustrações da vida adulta. Não sofri uma injustiça terrível, só não tive mais o clichê da família. E isso doeu, mas logo cedo me fez entender que sou só eu por mim mesma, e isso, por muito tempo, pareceu a coisa mais pavorosa do mundo. Hoje eu choro, me consolo e sozinha me dou colo. E dou colo a eles, se precisarem. Faço tudo que precisarem, ainda sim. Quero vê-los felizes. Felizes como costumavam ser antes de mim.


Elipse 

14 comentários:

  1. Elipse, consegui sentir a dor em cada palavra sua, e compartilho da mesma. Crescer é difícil e acho que ninguém está 100% preparado, ainda mais aqueles que, assim como você, receberam tanto carinho e atenção. Mas saiba que ser você por você mesma também é incrível, se conhecer, se amar, se cuidar e tudo mais, é essencial e muito importante. A vida é feita de fases, aproveita essa também.
    E parabéns pelo texto, ficou muito bom!

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  2. Não consigo opinar sobre mas não gostei do que li.

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  3. Acho que isso tudo faz parte da vida, crescer, amadurecer, ter força pra andar com as próprias pernas. Nem sempre os pais conseguem estar por perto, mas isso não quer dizer necessariamente que eles te amem menos, isso pode significar que agora eles confiam mais em você e sabem que você consegue se virar.

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  4. Elipse, assim como a Alice, senti a sua dor em cada palavra escrita. Sinto muitíssimo que a relação entre você e os seus pais tenha sido abalada em algum momento, espero que com o tempo vocês possam se reencontrar.

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  5. Elipse, gostei muito do seu texto! Me identifiquei nessa parte da mudança de rotinas e do saudosismo que fica na nossa memória. Forças e parabéns pelas palavras.

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  6. Elipse, Nossa! Como deve ser difícil para você. Mas tente conversar com eles. Não sei se já fez isso, mas eles precisam saber como você se sente. O passado não voltará, mas pessoas mudam, vocês podem fazer um novo futuro.

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  7. Elipse, amadurecer sempre é difícil. Não leve as coisas pro lado pessoal. Tenho certeza que seus pais gostariam de estar mais presente na sua vida, mesmo você sendo uma pessoa mais crescida. O importante é o amor, o qual vocês sentem um pelos outros. Isso tenho certeza que não diminiu!

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  8. A sociedade continua sendo difícil para as mulheres. Imagino como deve ter sido difícil para você passar por tudo isso.
    Mas mesmo com seus erros, eles te amam. E ainda te amam. E ainda são felizes com você e por você. Conversa sempre é solução. Quando se sentir mal, conversa com eles. Quando se sentir excluída, conversa com eles. E aos poucos tudo vai se resolver, eu espero.
    Seu texto foi muito tocante e acredito que várias pessoas se viram nele.
    Obrigada por compartilhar sua dor conosco! Fica bem! :)

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  9. Que texto tocante, Elipse. Acho que todos nós em algum momento enfrentamos um pouco da dor que acompanha o crescimento. Mas tenha certeza que seus pais a amam e a querem muito feliz também! Fique bem! Parabéns pela escrita!

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  10. Eclipse, sinto muito por estar sentindo isso, mas acho que querendo ou não me identificou com o seu texto, crescer realmente não é a fase mais fácil da vida, apesar de ser uma das mais importantes, pois, por mais complicado que seja, a vida precisa sempre seguir seu curso e não podemos nos dar ao luxo de ser criança para sempre.

    obs: amadurecer como pessoa, não quer dizer esquecer a nossa essência, na minha opinião.

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  11. Elipse, jamais pensei em como crescer e mudanças podem ser tão dolorosas. Parabéns pelo texto, gostei muito da forma delicada com que você trouxe a dor do afastamento dos pais.

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  12. Elipse, creio que me identifico com seu texto. É complicado não conseguir ter uma relação saudável com nossos pais. Acho que antes de tudo, temos que ser fortes para a gente e sempre resilientes. Parabéns. Aguardo seu próximo texto!

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  13. Elipse, eu entendo como é não ter uma relação boa os pais, mas espero que você consiga ser positiva em relação a isso e consiga reverter a situação, assim como eu consegui! Belo texto.

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  14. Elipse, parabéns pela contrução do texto. Espero que você consiga um dia se abrir com eles e essa situação se resolva, mesmo.

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