Sou nascida e criada no Complexo da 40. Uma pequena comunidade, dentro de um bairro menor ainda (se é possível assim dizer), mas com muitas histórias para contar.
Cresci ouvindo os contos da minha gente: “...fulano levou um tiro bem naquela esquina ali...”, “...sumiram com o corpo dele, Dona Cleide nem pôde enterrar...”, “...aquele ali não passava fome, almoçava e jantava pó, e o café da manhã era a pedra...”. Sempre foi uma triste realidade, gente da gente, um irmão, um primo, um amigo de infância... Parecia que o tempo passava e arrastava os nossos para esse caminho sem luz, sem fim.
O Ricardinho era gente boa demais, vivia aqui no quintal com meu tio, mas depois, vi sumir aquele brilho tão único dos olhos dele. Está preso há mais de 10 anos. O Izael vivia aqui pela rua, andava de bicicleta com a molecada e sempre ganhava os concursos de dança na escola. Foi encontrado morto em um terreno na descida do morro, desfigurado, provavelmente torturado. E o Marcos, que... ainda não sei nem descrever. O Marcos era um molequinho de pouco mais de 1,60. Estava sempre brincando na rua com a gente, e paquerando a minha irmã quando conseguia. Lembro do “jeito sem jeito” que ele tinha, e a forma que trocava as pernas ao andar. Marcos foi morto na sala de casa, na frente de sua mãe. Sumiram com o corpo dele. Marcos tinha 16 anos.
Hoje, me pergunto o tamanho da importância ou da influência dele, ao ponto de ter um fim assim... Onde será que tudo isso começou? Ou melhor, quando irá acabar?
Ter a oportunidade de estar onde eu estou hoje, escrevendo para vocês como é esse mundo tão isolado e próximo ao mesmo tempo, jamais passou perto dos meus colegas. Eu vejo as mesmas histórias de 30 anos atrás, percorrendo as mesmas ruas, invadindo as pequenas casas de tijolos e brasilit. O que me intriga é saber que nada mudou, que muitos Marcos e Izaéis ainda vão existir enquanto esse sistema tão bem articulado estiver presente em nossas favelas, ruas, TV’s e celulares. Tudo foi perfeitamente calculado (desde que uma certa princesinha assinou uma certa carta) para a exclusão, e consequentemente, extermínio dos nossos.
A ilusão é financiada pelos mesmos que dizem querer acabar com ela. E do lado de cá, nós já os conhecemos bem.
Renascida das Águas
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ResponderExcluirQue baita texto , Renascida! Como disse no meu texto, precisamos gritar um "basta" para tudo isso. Não é normal que jovens negros e periféricos morram na quantidade e na forma que morrem.
ResponderExcluirUau! O peso que senti lendo seu texto. Muito pertinente e doloroso, mas ao mesmo tempo me cega de raiva por essas injustiças.
ResponderExcluirParabéns pela escrita!
Parabéns pelo texto incrível! É impossível não se revoltar com essa realidade e ver tudo sendo feito para que isso nunca mude. Seu texto foi muito pertinente.
ResponderExcluirNossa, que texto incrível! Amei a forma como você escreveu, a forma como contou sua história! Parabéns, renascida! Consegui sentir sua raiva daqui!
ResponderExcluirQue texto forte, Renascida... Esse texto caberia perfeitamente tanto no último tema, quanto nesse. Muito impactante. Tem muita dor e muito melancolismo em sua fala.
ResponderExcluirRenascida das águas, uau! Relato fortíssimo e muito recorrente e atual (há décadas, infelizmente). Sinto muito por todas as suas perdas, é possível sentir a sua dor e indignação pelas palavras. Parabéns pelo texto e forças!
ResponderExcluir"Quando irá acabar?" Também me faço essa pergunta. É revoltante!
ResponderExcluirDá muita, muita raiva! Mas o pior é saber que as pessoas não se importam.
Oi Renascida! Achei seu texto um dos melhores até agora... Apesar de não me identificar com a sua dor, me identifico e me compadeço com a sua revolta! Parabéns por trazer um tema tão delicado de forma tão bonita.
ResponderExcluirRenascida, parabéns por externar essa revolta de forma tão poderosa! Um relato forte e necessário, escancarando injustiças que não podem ser negligenciadas, como já foram por tanto tempo.
ResponderExcluirParábens pelo texto, Renascida. Deu pra sentir bem sua revolta
ResponderExcluirRenascida das Águas, que texto lindo. Lindo e triste. Deu para sentir a sua raiva e, como o Rato disse ali em cima, a sua revolta. Sai do texto com as mesmas sensações. Parabéns! Um abraço apertado <3
ResponderExcluirRenascidas das águas, parabéns pelo seu texto tão verdadeiro1 Triste saber que tudo relatado é tão verdade e tão atual, como também tão apagado. Muitas vidas são perdidas por ano nas favelas mas pouco se fala, ganhando apenas pequenos espaços de discussão nos jornais ou poucos minutos em um telejornal, e principalmente se é falado é porque alguma família brigou e correu atrás, muitas vezes para ter o mínimo, como saber onde esta o corpo. Triste demais mesmo... </3
ResponderExcluirBeijos e força para nós!
Estrela