Os dedos tamborilavam em cima do balcão. A perna fina e recém depilada balançava suavemente, cruzada sob a outra. Uma mão repousava no tampo da mesa enquanto a outra sustentava seu rosto redondo e falante. Olho em volta. É um cômodo pequeno, mas com espaço o suficiente para caberem duas cadeiras, uma mesa, uma estante e uma poltrona. Devia ser ali que ela fazia suas famosas hipnoses. Me encolho mais na cadeira.
As paredes eram de um tom frio e sem graça. Umas figuras abstratas decoravam o ambiente numa falha tentativa de descontração. Quem pintou aquilo nunca devia ter imaginado o paradeiro tão infeliz de sua obra. Nem as míseras pinceladas quentes do amarelo conseguiam trazer algum calor para aquele ambiente. Van Gogh estaria frustrado. Volto a pensar no quanto a área daquela sala é indiretamente proporcional à distância que eu sentia dentro dela. Se é que isso faz algum sentido. Afinal, só tem uma mesa nos separando que parece mais um abismo. Perguntei-me se aquele era o jeito certo de fazer isso. E será que tem algum?
De repente, o farfalhar das pulseiras pararam. Agora, ela me encarava com seu sorriso estático e cabelo do Willy Wonka. Finalmente tinha parado de falar. Seus olhos me encorajavam a responder alguma pergunta que eu não tinha prestado atenção. Confesso que era difícil, uma vez que essa consulta parece mais uma sessão comunitária. Murmurei alguma coisa e a deixei prosseguir. Porque era assim que funcionava. A cada coisa que eu falava sobre mim, ela me bombardeava de informações sobre a vida dela.
Ouvi sobre como ela tinha parido uma agencia de publicidade já que seus quatro filhos eram publicitários (algumas vezes). Ouvi sobre como o youtuber Christian Figueiredo foi parar na sua sala de estar em pleno dia das mães. Ouvi sobre seus encontros com homens desocupados que faziam piadinha sobre sua profissão e queriam saber como faziam para “marcar uma consulta”- nessa, ela deu um fora bem dado e me lançou um sermão de como devemos ser mais assertivos na vida.
Ouvi também sobre uma paciente dela que parecia uma Barbie, segundo ela, fazia medicina por pura pressão dos pais mas era infeliz. Por não ser algo que queria ser. Ouvi sobre um paciente que sofreu de um trauma com alguém do mesmo sexo e por isso era gay. Ela disse que ele foi abusado sexualmente. Disse que todos os pacientes dela que eram gays, tinham sofrido algum trauma. Por isso eram gays. Porque sofreram algum dano provocado à estrutura mental - trauma. Os pacientes dela sofreram, logo, todos sofreram também.
Ouvi, em seguida, que não adiantava “mutilar o corpo”, tirar os seios, se você nasceu XX, será sempre XX - essa, ela soltou enquanto arrumava a pasta com meus exercícios de autoestima para praticar em casa. Pensei naquela pilha de livros na estante, se eram só de enfeite. Como será que ela despertou o interesse por esse estudo para não saber distinguir orientação sexual e identidade de gênero. Qual trauma será que sofreu. Pensei se ela mesma tinha noção de que estava sendo o trauma na vida de alguém. Decidi parar de ouvir.
Na pasta, havia uma folha impressa com a seguinte frase de Freud selecionada por ela: “Antes de diagnosticar a si mesmo com depressão ou baixa auto-estima, primeiro tenha certeza de que você não está, de fato, cercado por idiotas.” E eu realmente estava.
Toninho Rodrigues