Eu ainda não esqueço daquela noite fria de inverno. Tinha apenas 11 anos e estava assistindo Disney Channel, sentada no sofá da sala, como tinha costume de fazer quando chegava da escola. Foi quando ouvi um barulho vindo do quarto e decidi ir olhar. Minha mãe estava com a nossa correspondência na mão, que eu havia pegado mais cedo na portaria do condomínio, com lágrimas por todo o rosto. E foi aí que eu me aproximei e pude ler, em letras garrafais: "SENTENÇA DE DIVÓRCIO".
Os nossos traumas nos faz quem somos, acredito veemente nessa frase. Quando surgem durante a infância, podem nos moldar até o estágio final da vida. Muitas crianças da minha idade na época tinham pais divorciados. E, olha, é uma coisa que acontece. Cada um tem seu motivo, e não cabe a mais ninguém julgar. Se o casamento já não está bom, é a melhor opção para ambas as partes envolvidas. Todo mundo merece a chance de ser feliz. Contudo, a separação normalmente ocorre entre marido e esposa, certo? Porém, no meu caso, ocorreu entre pai e filha também.
Tudo foi acontecendo aos poucos. Nos falávamos todos os dias. Você me visitava seis vezes ao ano. Considerando que morávamos em estados diferentes e você trabalhava muito, era aceitável. Mas, lentamente, as visitas foram diminuindo, se transformando apenas em ligações com desculpas esfarrapadas. A última que eu lembro de ter ouvido foi que você não tinha conseguido juntar dinheiro para pagar a passagem pro Rio. Uma semana depois, minha madrasta posta uma foto com o carro novo que acabara de ganhar do marido.
Eu tentei por muito tempo, juro. Sempre tentava ser a melhor em tudo que fazia, na esperança de você sentir pelo menos um pouco de orgulho de mim. Recebia migalhas suas, já que, na minha cabeça, isso era melhor do que nada. Te perdoei por você ter esquecido o meu aniversário. Aceitei suas desculpas quando você perdeu minha formatura porque disse que estava cansado demais do trabalho para viajar. Acreditei quando você disse que me recompensaria algum dia. Mas esse dia nunca chegou e, particularmente, não quero e nem preciso que chegue mais. Depois de um tempo apenas cansa. Cansa o sentimento de insuficiência, porque eu sempre achava que a culpa era minha. Cansa ter que implorar para alguém ficar na sua vida. Eu te via como o Luke Skywalker, mas você foi se mostrando cada vez mais o Darth Vader.
Vou te poupar os detalhes de toda a raiva e o choro dos últimos anos. Doeu muito. Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro, como dizia Freud. Hoje, depois de tudo, eu te agradeço. Você me ensinou a valiosa lição de não esperar nada de ninguém, não importa quem, porque nem sempre as pessoas irão atender às nossas expectativas. Eu aprendi o quanto as pessoas podem ser ruins e sem coração. Você me fez forte, desde muito pequena, e as cicatrizes que carrego desde então são a prova disso.
Apesar de tudo, eu te perdoo. Não te desejo o mal, pelo contrário, espero que você seja muito feliz com a sua nova família. Eu sei que eu sou. Estou caminhando para a realização do meu sonho, com uma família maravilhosa ao meu lado, torcendo a cada vitória minha. Mas sinto pena de você. Você perdeu muito da minha vida e vai perder cada vez mais, pois sei que ainda vou chegar muito longe. Tenho mágoas, isso é fato, mas não guardo rancor. Assim, se algum dia precisar de mim, não hesite em me chamar. Eu nunca viraria as costas e te abandonaria, porque eu sei por experiência o quanto isso dói.
Mia Thermopolis
Oi, Mia. Seu quinto parágrafo me lembrou a fala de uma personagem de One Day at a Time no episódio 8 da segunda temporada. A situação é até parecida, a personagem falas essas coisas para seu pai. Se o parágrafo foi inspirado na série, acho que seria bom citá-la, assim evita acusações de cópia.
ResponderExcluirAbraços!
Oi, Mia! Sua história me lembra a de uma amiga muito próxima, então me senti muito tocada ao lê-la. Tenho que te parabenizar pela maturidade com a qual você parece lidar com isso, pela forma como você se expressou no texto. Também deixo aqui um caloroso abraço. <3
ResponderExcluirSeu texto ficou muito bom, mas não pude deixar de notar umas coisinhas:
"Minha mãe estava com a nossa correspondência na mão, que eu havia pegado mais cedo na portaria do condomínio, com lágrimas por todo o rosto." ---> Ao meu ver, esse trecho ficou bem ambíguo. Tá difícil de perceber se as "lágrimas por todo o rosto" são suas ou da sua mãe. Acho que daria pra reformular e deixar isso mais claro.
" Muitas crianças da minha idade na época tinham pais divorciados. E, olha, é uma coisa que acontece. " ---> Acho que aqui ficaria melhor usar só vírgula e não ponto nesse meio aí, ou usar o ponto, mas então começar a outra frase direto pelo "Olha". Sei lá, acho que faz mais sentido pra dar a entonação certa.
Um beijo <3