sexta-feira, 19 de abril de 2019

Terra adorada

 O vento que soprava seus cabelos parecia mais leve agora, retumbando o brado das boas novas. Para os outros a sua volta, era apenas o mesmo vento que trazia a promessa de uma chuva de verão. O sol, que não era tão bom quanto o da parte sul da cidade, tampouco bom quanto ao sol que aquecia Brasília, parecia carregar a liberdade, iluminando em raios fúlgidos o que talvez fosse a última partida de futebol que alguns meninos, aqueles que não haviam um lugar pra cair duro, tocavam por ali. E mesmo assim, nada, jamais, superaria o fulgor do sorriso daquela menina naquela tarde.
  A menina era filha do samba. Aquele mesmo samba que alimentava as noites das favelas e se misturava ao som dos estômagos famintos que ali jaziam. Ela, que era filha de Iemanjá, de outros Orixás, e de todos os Santos e Deuses que pudessem ocupar o buraco que a nação - com n minúsculo - e a verdadeira família tradicional brasileira - uma mãe de duplo encargo, e um pai que dava cabo das bebidas - haviam ali cavado.
  Ela, uma menina que nascera gritando de fome, havia ganho recentemente a promessa de uma morte saciada: havia passado na faculdade. Se não era o penhor da igualdade. Se não era o penhor da igualdade? 
  Era a primeira de sua família a conseguir passar em uma faculdade pública. Vira sua mãe, desde pequena, fazer malabarismo entre casas de família, pra muitas vezes o dinheiro acabar antes do mês e, junto, toda a pouco comida que havia dentro da geladeira. Mas ela nunca havia passado fome, sua mãe não teria permitido. O pouco que havia, ela dava as filhas, virando a noite varada e com o estômago doendo.
  Mas trauma? Ela não sabia o que era isso. Ela não podia se permitir a sentir isso, pois um minuto a mais tendo pena de si mesma, é um minuto a menos, e um minuto a menos na vida de um pobre, é muito coisa.
  Seu trauma era sua realidade, não era recente, nem passado, se fazia presente. Nascera com ela, e morreria com ela, junto ao seu berço de barro nas favelas brasileiras.
  Se não é a Pátria amada, idolatrada, desafiando os nossos peitos até a morte. Seu estômago que antes roncava, hoje se retorcia de ansiedade ao ver a oportunidade da mudança em suas mãos, superando parte do trauma hierárquico que não era apenas dela, ou de sua família, e sim de uma maioria incumbida de pobreza por essa mãe tão gentil. Porém, verás, ó Brasil, que um filho teu não foge à luta.

By a Lady

2 comentários:

  1. PUTA QUE PARIU! QUE TEXTÃO DA PORRA! Menina, sem palavras pra dizer o quão GENIAL esse texto é. A forma como você usa a letra do hino nacional, o jeito como você mostra a realidade de tanta gente nesse país...CARALHO! Não tenho nenhuma crítica a fazer, de verdade! GENIAL, GENIAL E GENIAL!
    Eu podia ficar de mimimi e dizer que você deveria ter se esforçado pra escrever de verdade sobre um trauma ou até inventar se necessário e blablabla? Podia, mas PORRA, NÃO DÁ! É GENIAL mesmo o seu texto! Eu quero um autógrafo, não tô brincando! kkk
    Amei MESMO a crônica. Quero ecrever que nem você quando eu crescer kkk
    Um beijo <3

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