quarta-feira, 17 de abril de 2019

Nós-Perdão-Começo

Caro leitor, caso não esteja procurando algo semelhante a uma trama de novela das nove, role para o próximo texto. Embora pareça mais um capítulo de uma história tediosa, é da vida real que nós vamos tratar. Hoje, a história também se refere ao meu pai. Fala da minha mãe. Reclama um pouco da nossa mania de nos deixarmos de lado. Revela como se deu o fim não assumido desse casamento. Pra mim, ele já não existe há muito tempo. 
Bem antes de eu nascer, no subúrbio carioca, dois vizinhos descobriam o amor um pelo outro. Ela, que nunca foi de namorar e tinha acabado de sair de uma decepção amorosa. Ele, que teve uma vida difícil, sem afeto e que nunca tinha experimentado, de fato, o que era o amor. Ele, que tinha um filho. A mãe dela sempre dizia pra tomar cuidado com esse fato, colocar uma criança no mundo demanda uma responsabilidade carregada pelo resto da vida. Fazer o quê se o amor é cego? Bora casar. 
Assim que a notícia se espalhou, os fantasmas da vida do meu pai começaram a assombrar quem menos tinha a ver com o passado lamentável que ele tentava deixar pra trás: minha mãe. Era o telefone de casa que tocava incessantemente, trazendo xingamentos e ameaças. Era o portão que passou a presenciar baixarias das quais nossa família jamais tinha participado. Eram elas: mulheres mal-amadas e bem perdidas na ilusão de que fazer mal a uma simples professora suburbana, com certeza, traria seu GRANDE TROFÉU -só que não- de volta pra esbórnia. Pensa bem- alertava vovó- já dá pra ver que tem caroço nesse angu aí. E tinha, mesmo. 
Dia do casório. Como tinha que ser: noiva bonita, noivo nervoso, família grande e comida farta. Tudo que um casamento precisava. E lá estavam as flores. Não as compradas pelos anfitriões. Flores de um despacho deixado na porta do salão de festa. O santo, aqui, é forte, olho grande não pega – insistia minha mãe. Será que não?  
Com muito perdão, fugidas, ligações recheadas de xingamentos e um pouquinho mais de perdão, três anos se passaram. Tempo suficiente para saberem se deram certo e se planejarem para botarem essa gracinha que vos fala no mundo. Tudo era uma maravilha. Eu era um bebê super tranquilo, a relação, finalmente, começava a não ter problemas graves quando...tcharam! Mais problemas.  
Minha mãe descobriu. Dessa vez, não foi uma ligação, nem um barraco na porta de casa. Foi uma filha. E pior: feita durante o namoro. Como um ser humano é capaz de esconder algo assim? É pior do que uma traição carnal. Mentir, esconder é trair a confiança. Já adianto que ela nunca mais foi restaurada. Nem imagino o que se passou pela cabeça da minha mãe nessa época. Eu tinha uns dois ou três anos, se culparia se tirasse o pai de uma filha tão nova. Respirou e, mais uma vez, diz ter perdoado. Mas a gente sabe que ela não tem sangue de barata. Uma hora, isso viria à tona. 
Mesmo tendo desenvolvido certos problemas psicológicos, minha mãe aguentou firme até que eu já pudesse entender. Eu devia ter uns dez ou onze anos. Tínhamos brigado por um motivo bem bobo, mas ela já não estava bem antes. Foi quando me chamou pra conversar: 
-O que você faria se seu pai tivesse outra filha e a gente não te contasse? 
-Acho que não perdoaria vocês, isso não é coisa que se esconda. 
-Não fala isso, não -abaixando a cabeça e deixando escorrer a lágrima presa há tanto tempo 
O resto da conversa foi todo dela me contando a história toda. Conversamos com o meu pai, nos apoiamos e nos entendemos. Tinha passado por enquanto. Eu disse: por enquanto. 
Em 2016, comecei a receber mensagens dessa menina, que não tem culpa de ter nascido. Recebia, também, ligações. As mesmas que minha mãe aturava lá no início. De certa forma, comecei a me culpar por ter tirado dessa criatura, como ela bem disse, a convivência com seu pai. Hoje, sei que a culpa não é minha. Mais uma vez: não é dela também. Mas bem que os xingamentos e ameaças feitas a mim poderiam ter sido evitados. Às vezes, tenho medo que se cumpram.  
Bom, leitor, juro que já vou acabar. Eu disse para ir ler outro texto. Só queria dizer que, hoje, embora tenha perdoado meu pai, não consigo confiar nele como deveria. Hoje, olhando pra trás e vendo o quanto eu me culpei e me privei de sentir minhas angústias, consigo perceber os danos em mim mesma. E sei, depois de tudo, que o fim dessa novela é todinho meu. Sem clichês de casamento e reconciliação entre família: só eu, recomeçando daquilo que jurava ser o final. 
 Obrigada por me permitirem falar disso. 
Um pouco menos pesada, Heloísa Dandara 

3 comentários:

  1. Oi, linda (eu mesma), vamos querer parar de repetir palavrinha e pronome possessivo, tá? Bjs

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  2. ~ sou tão trouxa que escrevi o comentário inteiro e quase postei com minha conta real kkkkk ~
    Oi! Inicialmente quero fazer um comentário sobre os comentários. É MUITO mais difícil tecer um comentário crítico, com argumentos válidos quando o texto te envolve mais emocionalmente. Eu quero prestar atenção na escrita, mas não dá! Primeira crônica postada e já percebi que provavelmente vou ter que reler todas pra conseguir analisar de verdade. Talvez tenha até que reler mais de uma vez até me acostumar, até não me chocar com o trauma exposto, pra finalmente conseguir fazer um comentário real.
    Pô, professor! Não imaginava que o nível de dificuldade aumentaria até nos comentários kk
    Nos vemos no comentário sério que eu vou fazer em algum momento aí em baixo, bjs! :)
    - a trouxa aqui foi responder o próprio comentário la em cima e acabou excluindo -

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