Uma coisa certa sobre ele é que sempre odiou contradições. Desde criança sua mãe o dizia que era uma pessoa muito decidida, coerente, e de certa forma tinha orgulho desse traço de sua personalidade. Embora estivesse (ou pensasse estar) imune ao "vírus da incoerência", seria mentira dizer que nunca foi afetado por dissonâncias vindas das pessoas com as quais convivia.
Algumas experiências negativas o marcaram, é claro. A mais forte delas foi no começo da adolescência, quando seu pai o dizia que podia ser sincero, contar o que estava se passando sem a preocupação de ser repreendido e, logo depois que o menino se abria, vinham os sermões. Outras memórias o faziam sorrir, como quando lembrava de sua amiga de infância, com quem estudara até o fim do Ensino Médio. "Eu já faltei muitas aulas, vou pra escola todos os dias nessa semana!" - dizia ela no domingo, e na segunda de manhã já não estava presente no colégio. Em meio a uma vasta bagagem de ocasiões como essa, ele nunca havia pensado que o contrasensso que mais o marcaria viria de si mesmo.
12 anos. Tinha essa idade quando se descobriu homossexual, e mesmo que surpreendentemente tenha sido um processo fácil para ele, decidiu que não se envolveria com ninguém e manteria segredo até atingir a maioridade, até ter sua independência e não precisar ouvir absurdos sobre isso. Morava em uma cidade pequena, sua família era tradicional, logo a decisão fazia sentido. Fazia sentido e estava sendo acatada, até algo acontecer. Até ele acontecer. A pele morena e levemente bronzeada, os olhos escuros e curiosos, o cabelo castanho com ondas suaves, o sorriso divertido e o jeito estiloso e sem esforço com o qual se vestia. Não é que o nosso protagonista se flagrasse querendo se envolver, ele já estava envolvido. Assim, involuntariamente, em um piscar de olhos.
Sem nem ao menos perceber, já havia contado para três amigos sobre sua sexualidade, mas ainda afirmando o mesmo, ainda dizendo que nada aconteceria até ele se encontrar em uma zona segura o suficiente. A reação dos companheiros? Gargalhadas e mais gargalhadas! Não por ele ser gay, mas sim porque realmente achava que seu sentimento era algo que ele conseguiria controlar, algo que não escaparia facilmente das correntes de sua racionalidade e coerência, que pensava serem de aço, mas na realidade eram frágeis como papel.
Todo o deboche e zoação dos amigos (mas que de certa forma também era apoio) acabou resultando em algo. Ele estava novamente decidido. Admitiria os sentimentos e não se importaria com o resto. Era sua vida, afinal.
Seria ótimo poder dizer aqui que ele fez o havia dito e que o casal foi feliz para sempre, mas também seria mentira. Ele queria fazê-lo, não havia dúvidas, parte dele clamava por isso. Mas a verdade é que não o fez. Mais uma vez traiu sua palavra. Ele estava se contradizendo de novo? Contradizendo a própria contradição? Onde tinha ido parar o garoto tão coerente que sempre foi? De que planeta era o alienígena que tinha abduzido sua racionalidade? Apesar de seu coração estar pronto pra ignorar tudo e focar apenas em como se sentia, sua mente não era capaz esquecer todas as possíveis consequências daquela atitude.
Mais do que ter dado-lhe a oportunidade de conhecer melhor a si mesmo, aquela experiência o ensinou na prática algo que já sabia na teoria: coração e mente quase nunca funcionam em consonância.
O texto me deixou com um gostinho de quero mais. São muitas indagações: Como os amigos conseguiram convencê-lo a mudar de ideia? Será que algum dia ele terá a coragem de contar a verdade? E o sentimento pelo menino, era recíproco? Pelo amor de Deus, quero a continuação na minha mesa agora!!! Hahaha. Brincadeiras a parte, achei seu texto muito gostoso de ler, sem falar que ainda podemos ter uma visão subjetiva do que se pode passar na cabeça de uma pessoa homossexual que se descobre tão nova. Parabéns! Abraços!
ResponderExcluirTexto bem envolvente! Não tenho nenhuma crítica além de ressaltar que está maravilhoso. Ai, arrasou.
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