quinta-feira, 18 de abril de 2019

Prazer, eu

Eu tenho TOC, ansiedade, fobia social, depressão e pensamentos suicidas. Meu maior trauma não é uma situação, meu maior trauma vive dentro de mim, meu maior trauma sou eu. Todos os dias eu convivo comigo, e só eu sei os problemas dessa convivência. Peço ajuda de amigos, família, além de psicólogos e psiquiatras (sim, no plural), mas só eu posso me entender e tentar reverter essa situação. 
Quando era criança, tinha o costume de contar as letras das palavras que falava. O número de letras tinha que ser múltiplo de 3. Eu só podia parar de falar quando atingisse o número certo. Minha mente trabalhava loucamente até atingir o número certo. Na época, eu não fazia ideia de que aquilo era TOC. Anos se passaram e eu só fui contar letras novamente aos 17. Meu psiquiatra acredita que o remédio que tomo ativou algumas ligações químicas em meu cérebro, voltando com o TOC. Hoje os números tem que ser múltiplos de 5.  
Fobia social é um distúrbio dentro do espectro da ansiedade. Não é ter medo de pessoas, é ter medo de situações sociais. É não puxar assunto com ninguém, é não ir a festas, é não saber se expressar, é ter poucos amigos, é ensaiar sua fala antes de realizá-la, é repassar na sua cabeça milhares de vezes tudo o que você falou, mesmo tendo ensaiado. 
Você pode estar pensando, o que uma pessoa com fobia social faz em um curso de comunicação? Acredite, eu me faço essa pergunta todo dia. Siga seus sonhos, a Disney nos diz, então eu o segui. Mas a Disney não nos diz o quanto um sonho pode doer, o quanto você chora por estar vivendo-o e como você quase desiste porque seu sonho dá muito medo. Apesar de tudo, estou amando meu curso. Fico genuinamente feliz quando estou estudando. No entanto, a ansiedade ataca em toda apresentação, em toda vez que o professor fala “trabalho em grupo” ou quando pede para participar da aula. 
A primeira vez que acreditei estar em depressão foi em 2015, contudo só fui ao psiquiatra em 2017, quando já estava consumida por pensamentos suicidas. Foi em 2017 que vi uma série muito ruim chamada 13 Reasons Why. A cena da personagem Hannah Baker cometendo suicídio é a mais forte que já vi na vida. Depois dessa cena percebi que não podia me deixar chegar naquela situação. Pedi ajuda. Até tenho vergonha de falar que foi por causa dessa série que procurei um profissional pois a considero ruim de verdade. Mas, infelizmente (ou felizmente), essa porcaria foi importante para mim. 
Melhorei. Hoje eu não tenho depressão nem pensamentos suicidas. Ainda tomo antidepressivo, é verdade, e provavelmente vou tomá-lo pelo resto da minha vida. Entretanto, não sinto mais um vazio interno, tristeza simplesmente por existir, ânsia de choro por nenhum motivo ou vontade de não viver essa vida, afinal, já não estava vivendo-a.
Meu maior trauma pode ser percebido pelas pessoas. Ele me acompanha toda vez que subo as escadas do bloco A ou vou andando até o bloco P. Posso estar me revelando ao escrever essas palavras. Mas precisava me apresentar. Prazer, essa sou eu. 
Jussara Sri Lanka

2 comentários:

  1. A parte mais louca desse texto é pensar que quase que ele podia ter sido escrito por mim. Você leu o meu, você comentou, você compreende. E eu compreendo também.
    Eu queria dizer que se o negócio de talvez seu trauma poder ser percebido pelas pessoas e elas descobrirem quem tá por trás do pseudônimo é algo que te incomoda, por favor, relaxa. Tô falando porque sei como é, sei que as vezes a ansiedade bombardeia a mente da gente com essas coisas, mas a verdade é que não dá pra saber não. Tá, eu pensei em algumas pessoas, mas também pensei em mim mesma e em pensarem que fui eu que escrevi, mas CARALHO, EU SEI QUE NÃO FUI EU. Se tá te incomodando mesmo, relaxa.
    Gostei muito da crônica, não só porque me identifiquei, mas também porque sinto o quão grande é a importância de falar sobre isso abertamente, de ter a coragem de expor essa parte das nossas vidas. A única ressalva que eu vou fazer aqui é que poderia ter um aviso de gatilho. A minha crônica foi mais pesada, e por isso que eu coloquei, mas talvez até a mais suitil abordagem desse tipo de tema pode virar um gatilho pra as pessoas. Acho importante que principalmente A GENTE, que já passou ou passa por isso, tenha mais empatia e sensibilidade com quem tá na mesma situação. A cena de 13 reasons why, por exemplo, foi decisiva pra que você procurassse ajuda, mas eu tenho desconfiança que se eu tivesse visto aquilo com 13 anos eu não estaria mais viva hoje. Só esse "alô" mesmo.
    (Se o Matheus ler esse comentário, edita e bota o aviso, pfvr. Não to tentando mudar o texto dela não, Jussara, pfvr, não se ofenda. É só que eu realmente acho importante)
    Não tenho sangue de barata pra fazer críticas de escrita nesse comentário. Talvez em outro, talvez mais tarde.
    Fica aí meu e-mail também, sinta-se livre pra falar do que quiser: leenacharpentier@gmail.com
    Um beijo <3

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    1. Oi, Leena. Eu nem tinha pensado que o lance de me descobrirem era ansiedade até você comentar. Obrigada. Acho que esse já é um exemplo de como é importante falar sobre saúde mental, nós descobrimos com os outros coisas sobre nós mesmo.

      Sobre o alerta de gatilho: eu realmente vacilei em não ter posto. Na verdade, só pensei nisso ao ler as outras crônicas que continha o aviso, mas eu já tinha enviado a minha.

      Matheus, se você ler isso, por favor, coloca o aviso.

      Sobre 13 reasons why: eu considero a série um desserviço público, principalmente por desrespeitar as recomendações da OMS de não mostrar cenas de suicido. Tenho plena consciência que o efeito que a série teve em mim pode ser muito oposto em outras pessoas e, mesmo tendo sido importante para minha melhora, eu não a defendo. Por isso, explicitei que acho a série ruim (uma tentativa de não encorajar meus leitores a assistirem), mas acho que deveria ter sido mais clara. Mais uma vez, vacilo meu.

      Obrigada pelas considerações. Abraços!

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