Isso acontecia toda tarde de sábado, há alguns meses. Nós trocávamos olhares, mas não sabia se ele tinha algum interesse em mim, ou se apenas observava o meu jeito tímido e esquisito de ser.
Levantei, comprei dois milkshakes e sentei na mesa dele, antes que seus amigos chegassem (como sempre acontecia). Deslizei o milkshake, na mesa, na direção dele, e disse: “Uns acham que sou flores; outros, caveiras. Quer me conhecer melhor e tirar suas próprias conclusões?” Ele deu uma leve risada, deve ter sido pela minha ousadia.
Depois, começou a perguntar: “Por que você tem que ser flores ou caveiras? Por que não pode ser os dois?”. Eu respondi: “Acho que sou os dois, mas quem me conhece como flores não sabe que tenho um lado caveiras e vice-versa. Estou cansada disso. Quero que me conheçam por completo, para descobrirem se realmente gostam de mim, e acho que você é a pessoa certa para isso”.
Ele disse: “Tudo bem. Acho que eu posso ser a pessoa certa para isso.”, e riu. Foi o suficiente para o peso sair das minhas costas e eu me sentir à vontade para ser quem realmente sou. Naquele dia, estava me dando a possibilidade de ser simplesmente o que sou, nada mais e nada menos. Fato raro na minha não tão curta vida.
Conversamos e descobrimos que tínhamos muitas coisas em comum. “Vai ter show dessa banda, hoje à noite, aqui perto. Quer ir comigo?”, me convidou. É claro que aceitei. Ele era exatamente o que eu pensava: maluco, ansioso, confuso, contraditório, quieto, inquieto, acomodado, revoltado, assim como eu.
Corri para casa, coloquei o meu melhor vestido e o meu melhor tênis e fui direto para lá. Quando cheguei, ele já estava, ansioso e inquieto. Comprou os ingressos e entramos. O lugar estava lotado. As pessoas piravam ao som das bandas de abertura. Nós pirávamos um com o outro.
A banda subiu ao palco, tocou, arrasou, ficamos quase que em transe. A noite foi incrível. Saímos, sentamos na calçada, e conversamos até o amanhecer do dia, quando ele me levou em casa.
Na minha porta, ele disse: “Você é flores, caveiras, sã, insana, enfim, perfeita para mim”. Naquele momento, me dei conta de que nem sabia o que ser flores e ser caveiras queria dizer. Nada disso importava mais. O conflito virou pó, e o vento o levou para longe da minha cabeça. Agora, era apenas eu mesma, e estava feliz assim. Feliz como nunca havia sido antes na minha vida. Ele me pediu em namoro. Eu aceitei.
Tudo isso poderia ter acontecido se eu tivesse levantado, comprado os milkshakes e sentado na mesa dele, naquela tarde de sábado.
Por Kunta Boyd.
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ResponderExcluirSeu texto é incrível e superou minhas expectativas.
ResponderExcluirAchei muito bom, sei nem sei como críticar então só direi "parabéns" pois elogios também fazem parte.
Que pesado. Joga na nossa cara o tanto de coisa incríveis que poderíamos viver se simplesmente resolvêssemos dar o primeiro passo.
ResponderExcluirhahah Uau, gostei muito do desfecho!
ResponderExcluirComo a Dandara disse, é bem um tapa na cara mesmo.
Vamos nos arriscar mais!
Mary-L. P.
Que plot twist (esse termo também existe em crônicas? Haha) sensacional! Gostei por demais. Quem nunca imaginou que poderia ter conseguido algo que acabou se tornando impossível por pura omissão?
ResponderExcluirQue texto FANTÁSTICO! Prendeu minha atenção do início ao fim e me surpreendeu ainda mais com o desfecho!
ResponderExcluirÉ fundamental aproveitarmos as oportunidades que temos... Como diria meu pai, "prefiro me arrepender de ter feito algo do que me arrepender por nunca ter feito".
MINHA CABEÇA FEZ UM BUM! amei tudo
ResponderExcluirSeu texto me lembrou os livros que eu lia adolescente e me deu uma sensação muito boa, apesar do final ser um pouco triste. ótima reflexão e você escreve muito bem! parabéns!
ResponderExcluir- desproporcional
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ResponderExcluirfinal surpreendente! tudo poderia ser diferente se tomássemos atitudes algumas vezes... adorei!
ResponderExcluiraaaaaaaa eu fiquei muito angustiada com o final, parecia que minha cabeça tinha explodido, eu queria até gritar. você escreve muito bem e a crônica é sensacional, parabéns ��
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