quinta-feira, 22 de março de 2018

Uma palavra

Naquele dia, enquanto tomava um ar em algum canto da caótica redação, a faxineira local apareceu. Depois de uma frívola troca de cumprimentos, a senhorinha, de estatura baixa e braços fartos, discorreu sobre seu trabalho e as dificuldades da vida. Muito expressiva, a idosa me envolveu em seus relatos e me fez navegar com ela por seu cotidiano. Em meio às palavras vãs, distribuídas em um bate-papo casual, a mulher se referiu a mim como “fia”. E, desde então, ensurdeci.

“Minha fia”. Aquelas palavras ecoaram em meu peito e lágrimas dispararam incontrolavelmente sobre minha face. A inocência da minha amada avó aparecia nitidamente diante de mim e, por uma fração de segundo, imaginei que a poderia abraçar. Seu afeto, seu toque, seu cheiro de vó. Seu modo de falar, seu passado sofrido, seu silêncio resignado. Quantas como ela existiriam? A maturidade me revelou que muitas. Quatro décadas dedicadas ao serviço fiel aos patrões. Visitas à família somente no Natal. Distância superada pelo amor e pela fé no futuro.

A mulher que mal conseguia escrever seu próprio nome ou ler as matérias do jornal foi a mesma que investiu, com seu pequeno salário de empregada doméstica, nos estudos de sua neta. Nunca entendeu muito bem o que ela fazia, mas apostou em um destino melhor que o seu. Vinte anos se passaram, e seu trabalho estava encaminhado. Era hora de descansar. Ela nada tinha, mas legou a simplicidade. E é nela que permanecerá meu coração.


Por Peripatético Peri.

4 comentários:

  1. Fiquei tão emocionada! Lembrei da minha querida avó que já perdi...
    Gostaria de saber, a história é real?

    Mary-L. P.

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  2. Nossa. Me tocou demais. Aqueles que crêem no nosso sucesso sempre devem ser exaltados. Perdi minha avó recentemente, e também gostaria de saber de a história é verídica.

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  3. Seu texto é emocionante e me fez ir além das linhas e palavras; fiz uma volta em certas lembranças minhas. Gostei bastante do seu texto e achei ele bem profundo.

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