domingo, 28 de outubro de 2018

O que arde cura

Nos últimos dias, permanece em mim uma sensação indigesta. Um desconforto. E como
vivemos em tempos modernos, recorro a santa ajuda da internet para aliviar ou
confirmar paranoias. Segundo as pesquisas podem ser gases ou uma doença bizarra que
acomete menos de 1% da população. Estou convencido de ser apenas castigo pela
alimentação pobre das últimas semanas – faço aqui meu apelo ao retorno do bandejão.
Aceito até mesmo o peixe.
Deixo a análise de lado, afinal nunca entendi ao certo ter que explicar “como dói”
somente sentir. Contudo, reconheço a existência de diferentes tipos de desconforto, por
exemplo, uma outra forma desse frio estomacal sem azia ou borboleta, um desarranjo
que só o novo sabe causar. E o novo sempre vem. O princípio das coisas corresponde a
uma questão humana fundamental a qual religiosos, filósofos e cientistas buscam
solucionar. No entanto - para além dos estudiosos - o cotidiano confirma todos os dias
que a vida é feita de novos big bangs. Ali está presente a mais bela queimação de
estrelas. Lembro do nervosismo das diversas primeiras vezes tanto na escola como no
amor. E também da sensação glacial no começo do semestre, que se repetiu no primeiro
texto publicado aqui, provando que assim como no cosmos os medos não se perdem,
mas se transformam.
Devo confessar: não recordo todas as palavras escritas e tampouco sou o mesmo que as
escreveu. Revistei-as muitas vezes, busquei soluções e fui surpreendido por ideias que
julgo mais interessantes ao leitor quando já não havia mais tempo. Diante disso
compreendo que escrever é se expor mesmo quando se usa um outro nome, mas é
também dividir angustias e sonhos que podem fazer sentido ou ser tão-somente
absurdos. Para mim a atração pela escrita nunca foi mediada por vocação, mas pelo
ímpeto do esquecimento. Sinto pavor da possibilidade de qualquer doença relacionada à
memória, ainda que esta não seja concreta, bem como a escrita que pode enganar com
amarguras e alegrias forjadas. Todavia, escrever é por outro lado um instrumento de
resistência à passagem do tempo que ofusca a história. Sendo assim, no momento
presente de amnésica coletiva, tenho como diagnóstico final que o viver permanece em
sentir a acidez ventral de novas palavras.

Brás Cubas 171

Textos: 8 | Comentários: 22

Um comentário:

  1. Foda!!! Você é um putx escritor(a). A maneira como se expressa nas palavras, de forma requintada, é incrível.

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