terça-feira, 30 de outubro de 2018

CRÔNICA SOBRE CRÔNICAS

Cheguei na primeira aula de Oficina de Leitura e Produção Textual na faculdade.
Já sabia o esquema de pseudônimos graças às dicas dos veteranos. O professor lançou o
primeiro tema da crônica: falar sobre uma figura pública sem citar seu nome. Como
diabos eu ia fazer um negócio desse? Pensei em uma imensidão de figuras, mas nada
bom saía. A minha primeira crônica teve o título “De Cabo a Rabo” e até que fiquei
feliz com o resultado. Falei sobre o candidato à presidência, cabo Daciolo, e das
doideiras que dizia. Nunca pensei que, hoje, no segundo turno, sentiria falta de seus
discursos. Primeira missão cumprida, beleza. Até que foram lidas na sala de aula as
crônicas da galera, que, por sinal, escreve muito. É briga de cachorro grande e percebi
que eu não passo de um chihuahua.
A segunda crônica foi sobre traumas. Achei maneira toda aula de psicanálise ou
coisa parecida do professor. É pura doideira, mas interessante. Já imaginei a quantidade
de coisa que seria exposta nos textos. Fiz sobre uma menina “quieta no banco de trás”,
sob este mesmo título e relatei o abuso sexual que sofreu por dias no caminho para a
escola.
A terceira eu não fiz. O tema era sonho e eu nunca lembro dos meus sonhos.
Sem condições, professor. Mas aí veio o quarto tema.
Em resumo, política. Assunto que eu tanto evitei abordar por tanto tempo...
Preguiça. Mas fui lá e fiz. Já estava na hora de começar a me posicionar sobre isso, de
começar a pensar sobre isso e falar sobre isso. A vida adulta vem que a gente nem vê de
onde. Saudades me preocupar em manifestar só sobre a falsa promessa do “na volta a
gente compra” dos meus pais. Era para falar sobre a iminência de eleição do 17. Dei o
título de “Você Sabe Quem”, fazendo alusão ao mundo bruxo de Harry Potter, já que
preferimos nem citar o nome do maluco.
Logo depois, tivemos que fazer uma carta para um eleitor desse candidato,
dizendo o que sentíamos sobre seu posicionamento. Fiz para um “quase mais que
amigo” e mostrei na carta como isso afetou possíveis relacionamentos amorosos.
Depois era para escrever uma resposta à carta. Desculpa aí, professor, mas
minha criatividade é muito pouca para gastar com esse prego do “Brasil acima de tudo”
e sei lá mais o que. Acabei não fazendo.
E aí o outro tema: “Suavidade”. O zé ruela da turma tinha que abrir o bico e dar
ideia para o professor. Tudo bem. Tranquilo, cara. Acontece. Não tinha pensado em
como falar sobre isso, até que escrevi em uma noite um pouco sobre. O deadline já tinha
estourado, mas enviei mesmo assim e dei o título “Melancolia das Onze”. E aí, como se
não bastasse, o tema seguinte é este que escrevo. Uma crônica sobre minhas crônicas.
O professor prometeu que a partir de agora os temas vão ser mais tranquilos.
Algo sobre natureza, talvez. Qualquer coisa que amenize a realidade brutal em que o
Brasil acaba de entrar.

Edmundo Pevensie

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