Deixei a chave em um dos vasos de planta da entrada e já coloquei comida para o cachorro, sai sem me despedir porque se não perderia a minha passagem.
Na verdade, não. Na verdade, para início de conversa, eu comprei a passagem de trem para essa hora pois sabia que você não estaria em casa, planejava arrumar todas as minhas coisas, deixar um bilhete frívolo e sair, mas, novamente, nada está como eu esperava e esse bilhete virou uma carta.
Eu espero que nesse momento você esteja se perguntando o porquê dos meus cabides estarem vazios, tentando entender como, entre nosso jantar normal de ontem e agora, tudo acabou e eu fui embora. Eu espero que você esteja se perguntando onde errou, se errou, talvez imaginando se eu conheci outra pessoa e estou partindo para viver outro amor... Mas eu conheço bem a distância entre o que eu espero de você e o que você é, e por isso eu sei que você não está chocado e tampouco está criando teorias para explicar tudo, talvez por isso eu esteja escrevendo agora.
Antes de falar com você pela primeira vez no trabalho, eu te observei por meses, já estava mergulhada em uma paixão platônica e achava que sabia tudo sobre você. Depois que tudo isso se concretizou eu acho que me perdi, te amei mais do que qualquer um, mais do que a mim.
Eu te amei tanto que inventei você, e você de verdade não é quem eu amo. Eu amo aquele cara que eu observava e que de repente passou a dormir comigo, mas eu, sempre inventiva, recriava e modificava nossas vivências na minha cabeça. Nossos melhores momentos, nossas melhores conversas, nossas melhores transas... tudo eu inventei. Quando acabava, você dormia e eu virava para o lado para lembrar e mudar uma coisa ali e outra aqui... percebi recentemente que cada vez eu mudava mais e nos últimos tempos mudava tudo.
Talvez você esteja achando que eu estou louca, eu também acho, mas sei que estou certa sobre isso, sabe como? O "você" que eu inventei pegaria o computador que eu deixei para trás e procuraria até descobrir para onde estou indo, antes de terminar o primeiro parágrafo dessa carta já teria me ligado sete vezes, no mínimo, e correria para estação para, talvez, chegar a tempo de me impedir. Mas nós dois sabemos que você vai terminar de ler isso, sentar no sofá, assimilar por alguns minutos e depois ligar a TV, antes de uma semana já vai ter preenchido o espaço que deixei vazio no armário com roupas suas e, provavelmente, vai usar minha caneca para beber café sem se importar minimamente com a simbologia que ela carrega.
Eu não posso mais fingir que você é quem acho que é, eu não estou apaixonada por você, eu não desejo você e não amo você. Todos os meus sentimentos amorosos são em função de alguém que só eu conheço e que não existe. Isso me dói, mas não por ter que deixar você, me dói porque estou te deixando pra ir em busca do nada, da possibilidade de esquecer que eu quero ter alguém que tem seu rosto mas não é você.
O pior desejo é o que é ilusão, o impossível. Eu sofro porque o "você" que eu amo só existe pra mim, você é a minha fantasia e eu estou velha demais para contos de fadas.
Carta da ex namorada de Rodrigo M. S.
Por Rodrigo M.S.
I GOTTA GO MY OWN WAY no fundo seria perfeito!!!! Adorei que a crônica na teoria teria sido escrita por outra pessoa (não o MS) e isso ninguém tinha feito antes. Achei muito legal o recurso. (Não vou nem falar que o final me deixou destruído né) muito bom continue assim :)
ResponderExcluirAmei esse recurso!Novamente, um texto ótimo. <3 Parabéns!
ResponderExcluirCaramba, eu acho que eu sou sua ex-namorada porque eu me identifiquei demais com ela hahah!
ResponderExcluirUau, texto muito bem escrito, e muito original!
Parabéns!
Mano do céu, isso foi genial. Tipo, MUITO! Criativo e bem escrito.
ResponderExcluirE referência musical, Marília Mendonça:
"Me apaixonei pelo que eu inventei de você."
Incrivelmente forte. Espero que tudo dê certo pra ela. O uso do "não desejo" foi bem diferente e criativo, recurso perfeito, tudo lindo!!
ResponderExcluirMe identifiquei horrores, não consigo nem descrever como me senti enquanto lia... Obrigada por esse texto lindo! Concordo muito com a Lady Richie. O uso do "não desejo" foi bem inesperado! adorei! sem dúvidas, foi umas das minhas crônicas favoritas.
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