sexta-feira, 15 de junho de 2018

só + uma Silva

Podiam sentir o cheiro de terra molhada, havia chovido mais cedo. ele tentava, a cada movimento, sintonizar seus olhares, sabia que não a veria de novo. ela aceitou. e fotografou sua boca. seus olhos. seu nariz... e mais ainda a tattoo no seu peito: Anúbis, o deus egípcio, aquele mesmo com rosto de felino.

a mão do homem sentia a pele lisa cor de cacau, em contraste com a dele. a mão da mulher apertava e arranhava a maçã do rosto. e as roupas espalhadas pelo chão mostravam como foi tal ato impulsivo de selvageria.

já não conseguia dizer sequer uma palavra, estava ofegante. aos poucos, deixava de sentir os grãos ásperos, como os dedos que a tocavam, de areia em seus pés, anestesiados pela superfície gelada. não há uma maneira de descrever seus seios, pois não houve tempo de tirar a blusa, nem o casaco. e, provavelmente, o homem tatuado não saberia como desfazer aquela cama de gato que era o feixe do soutien.

para ela, era como se estivesse numa fenda temporal, na qual cada tic do relógio em seu pulso demorava mais que o normal. naquela altura, ele já tinha deixado de se importar que alguém, talvez atraído pelo barulho ou apenas de passagem, aparecesse e os flagrassem. 

a mulher, mesmo não conseguindo falar, mantinha-se lúcida e pensava: o que será que fez nós nos encontrarmos? destino ou apenas o acaso? azar ou castigo divino?

sabia que não o veria de novo.

tac

seu corpo foi encontrado na manhã seguinte.

Por Homem de lata.

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