sexta-feira, 15 de junho de 2018

Empate

Você não é ela.

Tentei te ver diferente mas você simplesmente não é ela. Bem aqui nessa cama, lembro daquela tarde de Março com riqueza de detalhes, nunca vou esquecer do dia do nosso casamento. A gente com planos de assinar os papéis e entrar direto no avião pra ir pra calma das praias do Havaí curtir a lua de mel e um ao outro. Surpresa: Todos os voos cancelados, chuva torrencial, daquelas de fim de mundo. Recordo como achamos graça da situação enquanto outros casais se desesperariam. Nós sabíamos que ia ser um momento ímpar independente do endereço. Naquele dia estávamos começando a construir a nossa família e isso nem toda tempestade do mundo poderia nos tirar. 

Lembro da gente chegando no apartamento- antes seu, agora nosso- depois da viagem frustrada, você completamente encharcada de chuva, e rindo. Acho que nunca te amei tanto como naquele momento. Minto, me apaixonei mais ainda quando você saiu do banho e te vi na porta do banheiro vestindo apenas um moletom meu surrado,  daqueles claramente emprestados de tão largo, e de meias coloridas. Ali, tudo que já tinha acontecido comigo de ruim na vida desapareceu, só por ter você ao meu lado, poder te chamar pela primeira vez de esposa.

Fui ao seu encontro como um maratonista antes de cruzar a linha de chegada: quase correndo e com uma sensação de vitória sem igual, te desejava por inteiro. Meu corpo pungiu só de encostar no teu, minha mulher. Parte de mim logo se ascendeu, enrijeci. Entrar em você era como completar um quebra-cabeças, nos encaixávamos. Me senti como uma pedra quicando em seu lago, tudo fluía. Seu prazer era o meu prazer, beijar seus lábios e ouvir seus gemidos quando eu atingia um ponto especial só aumentava minha virilidade. Estar dentro de você, em todos os sentidos, era como ouvir minha música favorita, melodia perfeita.

Antes era só te tocar, a personificação do meu amor, que a excitação se tornava presente. Isso quando você era Ela. Agora minha ereção me causa um quase ódio, me deito com Judas. Tenho raiva de você por ter traído minha confiança, raiva de mim por ter falsamente te perdoado e deixado as coisas chegarem a esse ponto. Se amante significa “aquele que ama” então você compartilha amor com outro que não eu. Penso se não talvez em um de seus encontros já não estiveram nessa mesma cama em que estamos agora. Essa imagem não sai da minha mente, por isso, já não te penetro da mesma forma porque você não esta dentro de mim da mesma maneira.

Estar com você agora é ter o Bono cantando with or whithout you sem parar na minha cabeça, me afeta. Não faço mais amor com você, faço sexo, e daqueles baratos. É puro desejo carnal com um toque de luto ao meu sentimento por você, que é moribundo. Transo com você quase com repulsa, até cuspo. Te amo com força, por você ter matado o amor da minha vida, dentro de mim. Assassina, nunca vou perdoar seu suicídio. Antes a relação era símbolo de paixão, futuro, possíveis filhos e agora é humilhação, fracasso, é triste.

Me meto em você que tem o mesmo sangue, mesma história e anatomia da mulher dos meus sonhos mas agora te vejo com outros olhos. Você não é mais ela, minha esposa não me trairia, eu já não te conheço mais. Entro e saio do teu corpo quase como punição, por impulso. Como em dom Casmurro “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida” então te amo pela última vez lembrando da primeira. Depois dos orgasmos, você sai do banho com as mesmas meias coloridas só que agora enxergo tudo em ti em preto e branco. Só deixo pra trás gavetas vazias, como sua consciência, pra você sentir a mesma dor que a minha, a perda. Empatamos, mas nós dois perdemos o jogo.

Por São Valentin.

4 comentários:

  1. Abaixa que é tiro!!!!!!!!! Olha, posso dizer que a sua crônica tocou não uma parte do meu coração mas ele todo. Conseguiu com que a crônica ficasse poética e com leveza de leitura até o final por mais que o enredo tenha uma tema "pesado"! Ai parabéns, parabéns e parabéns <3<3

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  2. Eu to muito impactada. Ai q escrita incrível. Me vi imersa na história e nos sentimentos dos personagens. A mudança do rumo da crônica foi impressionante. Amei muito.

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  3. Meu Deus, isso foi sensacional e genial em níveis que eu nem consigo descrever. Maravilhoso. Incrível. Sensacional.
    E..... Oi, casa comigo? Prometo continuar sendo eu.

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  4. Adorei as referências. Adorei as descrições. Adorei o final. Adorei tudo. Sua crônica conseguiu trazer leveza e peso, ao mesmo tempo. Ficou, de fato, sensacional! Parabéns!

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