sexta-feira, 8 de junho de 2018

Proibido para Eduardo

Com o quarto em meia luz, lendo “Dom Casmurro”, um dos meus livros favoritos da literatura brasileira, ele se aproxima. Como quem não quer nada, acaricia meu rosto, beija meu pescoço lentamente e, então, minha vontade de ler o livro desaparece. Agora eu só quero ler seu corpo. Seu leve toque, seus doces lábios, seu cheiro inigualável. Nossas pupilas inquietas se encontraram e, com seus olhos fitos aos meus, eu desço. Ele adorava olhar nos meus olhos, e costumava dizer que eu tinha um olhar de cigana oblíqua e dissimulada. Mas, naquele dia, à medida que eu o beijava por inteiro, foi um calor diferente, um sabor único, um gemido novo. Todo o corpo dele se enrijeceu e estremeceu com força. Tudo foi muito intenso. A ponto de seus olhos, que adoravam fazer companhia aos meus, ficarem perdidos. E nesse vai e vem repleto de vibrações indescritíveis, chegamos ao fim. Com seu corpo imóvel ao lado do meu, suspirando, não demorou muito e, logo, os seus braços envolveram meu pequeno corpo repleto de caos. E foi assim que eu percebi que não havia lugar melhor para se estar, se não naquele abraço. 

Acordei. Assustada e inquieta, sem entender o porquê desse sonho, ou melhor, pesadelo, lembrei-me de quando te vi pela primeira vez. Se amor à primeira vista existe? Eu não sei. A minha única certeza era de que ele era diferente. Ou pelo menos eu acreditava que fosse. No meio daquele belo entardecer na orla de Recife, ele conseguia resplandecer mais que o Sol. O tempo passou e, a cada dia, eu tinha mais certeza de que a nossa relação seria firme como uma rocha.

Tínhamos sintonia. Nos conhecíamos a 3 meses e combinávamos nas coisas mais lindas e, ao mesmo tempo, mais fúteis possíveis. O seu cabelo combinava com os meus olhos. A minha música preferida era da banda que ele mais ouviu na adolescência. Meu melhor amigo estudou com ele na infância. Sua irmã tem o nome da minha mãe. Nascemos no mesmo hospital. Nossos pais já se conheciam. Eu nasci exatamente um mês antes dele que, inclusive, é um dia depois do aniversário de sua melhor amiga. Íamos para um bar perto da faculdade nos mesmos dias, nas mesmas horas. Eu odeio coco e, enquanto todos diziam ser frescura, ele solta um “eu também odeio!”. Cômico era perceber que éramos um mar de coincidências ambulante. Sinto que éramos feito ímãs. Naturalmente nos atraímos. Eu gostava do som da sua voz e você do jeito como eu falo. “Você usa umas palavras e expressões engraçadas”, ele me dizia. Não assistíamos aos mesmos seriados e, nisso, eu só conseguia ver uma oportunidade de fazer maratona para apresentá-lo séries maravilhosas, como “Friends”. Onde éramos iguais, via sintonia. Onde éramos incompatíveis, via  possibilidade. Afinal, eu nunca quis alguém que completasse as minhas frases. Só queria alguém que estivesse disposto a ouvir minhas peripécias e passar horas criando teorias da conspiração. Queria alguém para dar o amor que deixei florescer dentro de mim por tanto tempo.

Contudo, me esqueci que as rochas também se racham, se desgastam, se enfraquecem. Esqueci que certos amores chegam na porta de entrada cheio de promessas e depois ficam desesperados por uma porta de saída. E, pior que isso. Alguns não deixam nada. Nem um bilhete no espelho, ou uma ligação perdida, ou uma toalha molhada no banheiro, ou uma lembrança boa para se guardar. Não deixam rastros. Fazem questão de sumir e deixar um vazio. Fazem questão de fingir não ter existido, sob o pretexto de ser “pro nosso bem”. Engraçado isso. Bem para quem? “Eu não queria te magoar”. Saca essa surpresa: magoou. 

Meu sensível coração de vidro se quebrou. Meu corpo sentiu o frio do lençol. Minha mente se tornou um verdadeiro mar de pessimismo. Com as esperanças desfeitas, com o injusto pensamento de não ser o suficiente, com a ansiedade acelerando minha frequência cardíaca ao te ver nas suas histórias do Instagram, as quais eu abria “sem querer querendo”. Tudo se tornava um motivo para eu chorar. Até porque, isso foi muito mais do que um simples caso. Falávamos sobre o nosso casamento todos os dias. Eu já tinha conseguido um buffet acessível. Já tínhamos decidido a quantidade de convidados. Inclusive, eu tinha até uma pasta no Pinterest com várias ideias para a decoração. E, mesmo assim, ele, de repente, diz não ver futuro em nós dois. Que foram bons os 5 anos que passamos juntos, mas que ia ser melhor terminar. Ele pedia um tempo para si. Enquanto isso, eu que passei a tomar banho quente, mesmo no verão, fugindo das gotas frias que me lembravam do toque do seu coração. Era eu que corria do calendário, porque todo dia nove eu caía em prantos. Dia nove de Outubro de 2012 foi o dia em que nos conhecemos. Dia nove de dezembro, desse mesmo ano, começamos a namorar. Dia nove de Julho de 2016 você me pediu em casamento. Dia nove de janeiro de 2018 às 17:50 ele decidiu se pôr junto ao Sol. Se sublimou da minha vida. E, assim, mais uma coincidência foi construída.

Eu poderia mandar essa crônica para ele. Eu poderia contar o sonho que eu tive. Mas, melhor não. Ele nem tem mais o meu contato salvo. Ele nem merecia ser a inspiração para essa crônica. Eu nem estava lembrando dele antes desse sonho. A propósito, só para caso ele leia isso: Eduardo, eu esqueci você. E agora, quando eu lembro que você existe, eu já não sinto mais nada. Desde que eu te esqueci, está tudo tão bem, que, inclusive, me questiono porque que você não vem. 

Por Andrea Melo.

6 comentários:

  1. Amei a ligação com a sua outra crônica sobre o Eduardo. Eu sou mt sua fã. Texto muito bem escrito e que traduz bem um sentimento que até eu mesma sinto. sz

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  2. AAAAAAAA PEGUEI A REFERÊNCIA DESSE FINAL
    Caramba, adorei essa crônica!
    Me senti muito tocada pela história, parabéns!

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    1. Bate aqui, mana! Clarice Falcão references hahahah

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  3. Amei a forma que voce descreve cada coisa detalhadamente, me identifiquei muito kkkkk parabens

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  4. Uau, eu adorei. Amei a referência com a outra crônica e achei o texto muito bem construído e cheio de raiva. Coitado do Eduardo, porém bem feito kkkkkkkkkk

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  5. Que crônica linda! As referências.. <3 <3 O descritivo aaaaa
    Muito bem escrito!Parabéns!!

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