sexta-feira, 15 de junho de 2018

Luxúria ou paraíso vermelho?

Quando tinha apenas cinco anos, fui sequestrada. Era início de junho. Um moço de capuz e óculos escuros me arrastou para longe da minha mãe enquanto estávamos no mercadinho de esquina perto da minha casa. Ninguém teve sinal de mim por trinta dias.

Meus pais desesperados fizeram diversas promessas à inúmeros santos pedindo a minha volta, até então nenhum tinha surtido efeito. No trigésimo primeiro dia, 13 de junho, a polícia encontrou vestígios do meu sangue seco à porta do esconderijo do sequestrador. Voltei pra casa. Minha mãe afirmou que isso tinha sido obra de Santo Antônio, que é celebrado na igreja católica no mesmo dia da minha volta e que intercede pelas causas perdidas mundanas. Na cabeça de minha mãe, ela só me teve de volta porque prometeu a ele que me colocaria em um convento para me tornar freira e ter uma vida casta. Fazem quinze anos, então, que estou nesse lugar santo. 

Mas não é essa história que vim contar hoje. Eu costumava achar que Deus curava todas as coisas e, por isso, era fiel à promessa de minha mãe. Nunca, nem em sonho, tinha desejado homem sequer além de Jesus. Tadinha de mim. Mal sabia que tinha uma coisa em particular que Ele não tinha como intervir. 

Todo o problema começou quando eu me deparei com aquele cabelo, irritantemente, bem ruivo. Uma parte de mim que eu não fazia ideia que existia começou a pulsar. Sorridente, aquela novata veio, com suas malas e seus milhões de problemas, dividir o quarto comigo. E que sorriso. Parecia uma boneca de porcelana, intocável. Sua pele conseguia ser mais pálida que a parede, menos suas bochechas que estavam rosadas pelo frio que fazia. Os olhos que eram profundos, esverdeados e lembravam o tom do mar, logo chamaram a atenção das irmãs no recinto que começaram com os elogios. Eu acompanhava a cena ao longe, sentada em uma das poltronas de frente para a lareira do convento, escondida por cobertas de lã. O cabelo dela... ah, aquelas ondas ruivas, tão vivas quanto as labaredas do fogo que observava dançar na lareira, chamavam atenção mesmo de longe. E foi, a partir desse dia, que passei a rezar fervorosamente para essa menina sair da minha vida. 

Estava escuro no dormitório. Nossas camas de solteiro foram postas estrategicamente juntas. Seus dedos gélidos passeavam delicadamente sobre a minha boca. Puxei-a para perto. Era a hora da oração no convento, estávamos atrasadas. Não ligava. O seu cheiro inundava as minhas narinas. Doce. Tão doce quanto o pecado. Seu olhar mareado me fazia sentir nauseada pelo desejo. Uma brisa fria nos envolvia, mas não sentíamos frio. Nossos corpos colados, o suor nos unia. Surpreendentemente, me vejo beijando a sua boca, e é possível esquecer, então, de todos os nossos compromissos. Deus me perdoe, mas eu quero descer. Descer pelo seu próprio universo ruivo e rosado. Não quero mais rezar, eu quero ela. Sua língua, tão conhecida, se perdia e se encontrava pelo meu corpo indefeso. Não pensava em mais nada. Literalmente, nada. E nesse vazio existencial, me afoguei de vez nela. 

Piscando na escuridão assustada, acordo e vejo que tudo não se passou de um sonho. Olhei para a cama ao lado e observei a ruiva serena em seu sono. Deus me livre, mas quem me dera. A verdade é que eu sei que vou acabar parando no inferno, mas mal vejo a hora de ir pra esse lugar quente e vermelho. Desculpa mãe, não sei se serei capaz de cumprir a sua promessa. Então, ajoelhei e rezei à Santo Antônio.

Por Lilac Sky.

3 comentários:

  1. Seu texto mexeu comigo de maneira absurda. A escrita está impecável. Conseguiu traduzir perfeitamente o seu desejo. Amei muito, parabéns!!!!

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  2. Quem nunca desejou a coleguinha né? Ai, adorei. Muito boa a escrita e as descrições. Eu amei principalmente: " A verdade é que eu sei que vou acabar parando no inferno, mas mal vejo a hora de ir pra esse lugar quente e vermelho."

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  3. aaaaaaah q doce leitura, sensacional

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