sexta-feira, 15 de junho de 2018

Futuro do pretérito

De repente, uma fragrância nova toma conta daquela sala. Estávamos bebendo, rindo, conversando, dançando, e ela chegou. Com seus olhos de esmeralda. Com seu cabelo curto levemente ondulado. Com sua pele reluzente, que contrastava com o negro de seus cabelos. Com seus lábios levemente carnudos, tão perfeitamente desenhados, que me questiono como poderiam ser reais.

Ela era.

Ela é.

São mais de meio milhão de palavras registradas, mas nenhuma delas, sequer, era capaz de traduzir quem ela era.

Desde o primeiro instante em que a vi, não conseguia focar em mais nada e nem ninguém, além dela. Era como se o mundo estivesse congelado e mudo.

Menos ela.

Ela continuava viva para mim.

Com um copo de uísque na mão, dançando suavemente de olhos fechados, não havia mais dúvidas para mim. Estava apaixonada. Não pelo o que nasceu com ela. Seus olhos eram lindos, de fato. Mas não passavam de um convite para a sua alma, a qual eu ansiava em conhecer.

Tento esconder o que sinto. Agora pouco disse que, para mim, era impossível eu me sentir atraída por uma garota. E, então, ela surge. Bagunça minha mente. Quebra as minhas barreiras. Rasga a minha identidade. Não sei mais quem eu sou e, para ser sincera, não tenho tanto interesse em saber. Meu único desejo, naquele momento, era conhecê-la.

Coragem para falar com ela? Inexistente.

Foi aí que eu peguei meu caderninho sem pauta vermelho, surrado, por carregá-lo sempre comigo, e comecei a escrever.

“Quem é ela?

Quais segredos ela esconde?

Como pôde, em questão de segundos, me conquistar?

Eu sempre fui uma garota incomum

Tenho alma de camaleão

Sem personalidade fixa

Ampla e ondulante como um oceano

Sem bússola de moral

Mas

Se dissesse que estava planejando isso

Estaria mentindo

Se me perguntares quem sou

Não sabereis dizer

Mas, se me perguntares o que desejo

Responderei: “você”

Vamos dançar blues

Com desejo ardente

Sente-me

Cale-me

Deixe-me despir seu corpo

Sem pressa

Como uma primeira vez numa cidade

Um corpo é uma surpresa

Como abrir um presente

Não se pode com as mãos infantis 

Desorientadas

Aflitas

Desesperadas

Ir rasgando invólucros

Um corpo é uma surpresa

Uma mistura de sensações inenarráveis 

As quais devemos saborear lentamente

Ainda que a sede seja ardente

Beberei lentamente

Ainda que a gula arrebente meu ser

Devorarei-te como quem saboreia sua última refeição

Permita-me desnudar-te com destreza

Deixe-me explorá-la selvagemente

E os seus mamilos irão desabrochar como flores na primavera
Irei sugá-la como se fosses uma doce fruta

E quando não aguentares mais

Quando tiveres experimentado tudo

Levarei você ao último céu

Secarei cada gota de suor do seu rosto

Dar-te-ei leves beijos 

Assim provarei que sei te amar

Amar-te não é coisa para amador

Amar-te é uma arte

E eu sou artista”

Quando termino de escrever, com os olhos trêmulos, segurando o choro, levanto meu rosto e lá está ela. Desta vez, em suas mãos, estão outras entrelaçadas. Desta vez, seus lábios conversam com outros, sem dizer palavra alguma. Não consigo mais olhar. Dói. Dói vê-la nos braços de um outro qualquer. Mas, tudo bem. É melhor do que te ver sofrer de saudade de mim como eu tô de você. Saudade daquilo que, na verdade, nunca existiu. 

Já dizia um sábio professor que tive na faculdade: “Não existe nada mais cruel do que o futuro do pretérito”.

Por Andrea Melo.

5 comentários:

  1. ANDREA EU TE AMO. A forma como vc construiu a crônica ficou mt original e gostoso de ler. Escrita impecável e descrições mt bem feitas. Senti na pele a sua dor. Sensacional.

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  2. Digitando com os pés porque com as mãos estou aplaudindo. Deus é poderoso e essa crônica também! Maravilhosa, original e amei a citação do final. Muito boa a sacada.

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  3. Ainda não li todas, mas já é minha favorita. De cara com esse poema no meio. Senti o seu sentimento pulando a cada sílaba.

    Parabéns. Parabéns. Parabéns.

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  4. Consegui sentir daqui seu misto de frustração e desejo... Adorei as referências a 5 à seco e à maravilhosa citação do professor ao final haha. Talvez tivesse evitado um pouco o uso de "ela" e suas contrações no começo, mas nada que prejudicasse o texto. Amei!

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    1. eu usei bastante o "ela" propositalmente. Infelizmente esse recurso não agrada a todos :(, mas tô feliz que mesmo assim você gostou hihi obrigada!

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