Era fim de tarde de uma terça-feira, havia gente por toda a parte. Um coro longínquo soava, como numa canção. O sol estava começando a se pôr, pintando as calçadas de vermelho.
À luz do lusco-fusco eu o avistei, sozinho, destoando dos outros rostos que não me eram familiares. Vestia um casaco laranja e calças jeans. Seu corpo era magro e esguio, seu cabelo, curto e enrolado, anunciava o início de um grisalho nas extremidades, e sua pele, queimada de sol, carregava experiência.
Conversava com alguém e sorria frouxamente, apertando os olhos como uma criança faria. Era um sujeito simples e intercalava, nos gestos, timidez e desinibição. Tinha dificuldade de olhar nos olhos. Estendeu um papel branco, pequeno, à pessoa, que logo o pegou e começou a escrever, devolvendo-o logo em seguida.
Foi então que as bombas começaram. A multidão corria descompassada.
Tentei localizá-lo com o olhar. Levei alguns segundos até encontrá-lo poucos metros distante da confusão que acontecia. Tinha agora em mãos sua câmera e tentava fotografar em meio ao barulho e ao corre-corre. O que surpreendia era a coragem de se colocar em risco para simplesmente registrar tudo que estava acontecendo.
Parecia estar conseguindo bons cliques quando me distraí e perdi-o completamente de vista.
Era início de tarde de uma terça-feira. O ambiente era pacífico nas ruas. As pessoas ainda estavam se deslocando de suas casas para a avenida quando alguém nos abordou. Segurava uma quantidade de papeizinhos brancos embaixo do braço, e uma câmera profissional. Sua voz era tão baixa que mal o pude ouvir.
"Oi. Meu nome é Beto e eu trabalho com fotojornalismo. Vocês se interessariam em sair em alguma das minhas fotos?" - disse, passando a mão na tez queimada de sol.
Eu e o grupo que estava comigo levamos alguns milésimos de segundos para assimilar a pergunta e então balançar a cabeça, exageradamente, concordando que sim. Ele pediu simplesmente que assinássemos o papel e que continuássemos com nossa atividade, como se ele não estivesse ali.
Embora eu tentasse disfarçar, sentia a sua presença a nossa volta, e nos primeiros instantes, cada gesto meu era pensado com antecedência. Por sorte, logo esqueci e voltei a cantar tarde adentro. Cantar, a plenos pulmões, a cantiga da multidão.
Eve
Nenhum comentário:
Postar um comentário