sábado, 3 de junho de 2017

Apenas Humano

CLICK! Mais uma foto havia sido tirada daquele momento tão importante para o estado, para o país: uma manifestação. Seus olhos escuros encararam a tela de sua câmera, enxergando a boa foto de um rosto de uma moça com a bandeira do Brasil em sua face. Perfeito. Era o que queria fazer por toda sua vida, registrar momentos, registrar que momentos como aquele não eram partidários e sim, de cunho nacional. Sorriu para sua própria foto e se sentiu tranquilo mesmo em torno de todo aquele caos, o sorriso satisfeito de quem está onde quer estar, de quem faz o que quer fazer; era o sorriso que nunca havia dado antes quando biólogo. Certo que amava sua profissão anterior, mas aquela ali... Aquela oportunidade de passar seu olhar, seu grito político, uma reflexão por meio de seu trabalho fotográfico, era magnífica. O poder de levar a realidade muitas vezes sem filtro, para quem quisesse ver, lhe enchia o peito de orgulho ao falar que era fotojornalista. Era por isso que sorria toda vez que falava de fotografia, era por isso que ria abertamente ao mostrar seus trabalhos e os explicava com tanto empenho e afinco. Alberto, ou melhor, Beto, acreditava em si mesmo. Acreditava no que estava fazendo todos os dias. Secou o suor de sua testa com o antebraço coberto com a blusa larga de linho preto e suspirou, estava um dia quente e toda aquela adrenalina de estar em uma manifestação, o deixava agitado. Verificou mais uma vez sua câmera e entortou os lábios em uma expressão de insatisfação: a bateria estava acabando. Levava sua Nikon D3100 porque era mais leve para aquela situação, no entanto, não estava com mais nada a não ser aquela câmera. As baterias reservas estavam em casa, seu celular não tirava fotos tão boas assim... Tudo bem que não eram fotos que seriam vendidas para algum jornal alemão que sua esposa era correspondente, mas seu projeto pessoal também merecia fotos perfeitas, era toda sua reflexão de manifesto político ali, nas fotografias.

Uma bomba estourou e seus olhos rapidamente correram pelo ambiente, procurando de onde havia ecoado aquele som oco e alarmante. Estava envolvido naqueles protestos o suficiente para saber que quando as bombas começam, então o caos fica generalizado. Não era vinculado a ninguém, era apenas ele, sozinho; ele e sua câmera fotografando o que muitos teriam medo. Por muitas vezes tinha de escolher entre correr ou tirar uma boa foto, ou, enfrentar a PM para uma boa captura ou sair da frente. Eu nunca taquei pedra na PM, mas às vezes... hum... – Pensou ao ver aqueles homens de preto inundando a Cinelândia. Já era. Eles haviam chego e agora suas fotos sairiam borradas no meio de sua correria, escapando de balas de borracha, bombas e pancadas. Beto sempre xingava aos montes quando algum clique saía fora de seu gosto.

Pensou em seus amigos... O que diriam, afinal? Os seus amigos da época que trabalhava com biologia, os amigos do surf, da escalada... Alberto estava ali, de frente para a PM, mais uma vez, decidindo entre: ir embora e aproveitar sua câmera ainda com bateria para tirar mais algumas boas fotos. Eles o chamariam de louco, provavelmente. O corpo magro estremeceu com mais um estourar de bomba e realmente cogitou ir embora, no entanto, ao mesmo tempo à sua frente uma cena lhe chamou a atenção: um casal com duas crianças pequenas, uma delas em um carrinho. Aquela cena não poderia estar mais dramática. Bombas estourando, policiais inundando o local, gente correndo de balas de borracha e aquele casal no meio daquilo tudo.

Daria uma bela foto de protesto, mas Alberto não pensou assim. Seu coração bateu forte e uma expressão apática lhe tomou a face suada; precisava fazer algo. Ele não conseguia ser indiferente perante o cenário que estava fotografando, ele não conseguia, simplesmente, ficar em cima daquela escadaria com uma câmera em mãos, enquanto uma família estava precisando de ajuda logo ali, abaixo de seus olhos. Era progressista em ideologia política, e parte do que acreditava era que nada estava ruim o suficiente que não pudesse melhorar de uma certa forma: ele poderia melhorar aquela situação.

Desceu as escadas com certa pressa, a câmera presa em seu pescoço, a expressão compadecida no rosto... Ele iria fazer algo, nem que fosse apenas se oferecer.

– Ei, você precisa de alguma ajuda? – Sua voz, em um timbre baixo e compadecido, chamou a atenção do homem que parecia confuso e perdido no próprio eixo.

Estava tão perturbado que apenas balançou a cabeça, confirmando aquela pergunta: era tudo o que mais queria naquele momento. Pegou as rodas da frente do carrinho de bebê e o outro homem pegou as outras de trás, começando então, a fugir daquela confusão.

Alberto não era nada mais do que um humano. Durante aqueles momentos que via que não era um militante e nem tampouco apenas um profissional, porque não conseguia ter a coragem tão forte de um militante e não tinha sangue frio para ignorar um pedido mudo de ajuda; era apenas um humano.
Era em situações como aquela que lembrava quem era realmente e o que queria fazer para o mundo melhorar, por isso não gostaria de ser lembrado como alguém famoso, mas gostaria que suas fotos trouxessem esclarecimento para quem ainda não consegue abrir a visão para certas coisas. Ele era apenas um cara, com uma esposa jornalista correspondente internacional, com uma câmera na mão e a mente cheia de protestos que eram gritados em forma de fotos, mesmo que muitos ainda não conseguissem o compreender. Mas ele continua e vai continuar.

Vai continuar porque acabou de começar e ainda tem muito o que mostrar.

JACKSON

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