segunda-feira, 12 de junho de 2017

A pele que habito

Nasci com poucos talentos. Nunca soube desenhar, pintar, dançar e tampouco conheço a bandeira de todos os países. Desde criança, gostava de falar e escrever. Ainda lembro de meu primeiro poema, sobre uma garotinha que brincava na rua. A menina deveria ter por volta de seis anos e eu, uns oito. Será que é coisa de escritor sempre se achar tão maduro? Recordo-me de usar a palavra utopia pela primeira vez nesse dia. Desde então é minha palavra favorita. Cada sílaba pronunciada parece encher o ar. Repito agora mesmo, lentamente: u-to-pi-a. Pronto: o silêncio está cheio de vida.
Um escritor tem que ser utópico. Um verdadeiro escritor se basta. Olhar para suas palavras e saber que elas transparecem suas dores, alegrias, frustrações e medos é o suficiente. Doa a quem doer. Mesmo as frases mais cruéis e distópicas fazem parte dos sonhos de quem escreve. Escrever é botar para fora todo o desconforto de estar em sua própria pele; e nunca sentir-se satisfeito. Não entendo como uma premiação pretende, de alguma maneira, consolar minhas mágoas ou me desafogar do excesso de mim mesmo, se nem a arte o faz. É coisa de escritor sentir-se amargamente especial?

Eduardo Galeano

Nenhum comentário:

Postar um comentário