segunda-feira, 19 de junho de 2017

Confissão de irmã mais nova

Eu estava deitada numa cama que não era a minha. Tornou-se minha no momento em que minha irmã se casou e mudou-se. Pensava em como a vida dela tinha se transformado, e a minha não. Quer dizer, agora eu dormia numa cama; antes, eu só tinha um colchão. Não digo que eu não era feliz no espaço que me era disponível. Tive muitos sonhos incríveis, e também muitas noites mal dormidas. Minha mãe sempre dizia: "vou comprar uma cama pra você". Mas não era isso o que eu realmente queria. 

Quando minha irmã se casou ganhei um quarto, uma estante vermelha e um espelho. Coloquei na estante alguns livros, porta-retratos, caixinhas com lembranças e bijuterias, e duas garrafinhas, onde quis guardar as pétalas do buquê de casamento de minha irmã, que não peguei na sorte, mas ela fez questão de me dar mesmo assim. Ao casar, ela ganhou uma casa para cuidar, um marido amoroso para compartilhar todas as coisas, e muito mais responsabilidades. No casamento, minha irmã colocou nada menos que a sua vida. 

E era isso o que eu realmente queria.

Mas ainda estou deitada numa cama que não é a minha. Quando olho nos olhos de minha irmã, e de tantos outros, percebo que esperam de mim algum tipo de reação: alegria, satisfação, gratidão. Mas não. Já nem sei o que meus olhos dizem. Mas se eles mostram o que há dentro de mim, minha irmã ainda deve se lembrar de quem é essa cama. Quando olho pro espelho que ganhei, me sinto só. Vejo uma menina sentada na plateia, apenas esperando pelo clímax do espetáculo da própria vida.  

Espero não permitir que essa moça do espelho fique para sempre assim. Os olhos dela precisam daquele brilho de algum tempo atrás. Quando ela dormia no colchão, tinha sonhos dos quais hoje nem se lembra... e outros nos quais pensa até demais. Seu desejo na verdade é que, agora que existe um quarto só dela, talvez seja a hora de uma vida só dela também, além da extensão da irmã mais velha. Um conselho pra ela: Tenha coragem, garota do espelho. Não pense que está ficando apenas com o que não serve mais pra alguém. Se você prestar bem atenção, vai perceber que esse pode ser só o começo da vida que você realmente queria.

Carolina Caracol

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