sábado, 3 de junho de 2017

Eu não tinha seguro

Bombas.
Balas de borracha.
Correria.
A cidade estava em guerra. Alguns direitos, feridos. Outros, postos a baixo. Sem nenhuma autorização. Não nossa, pelo menos, mas deles. Muitos não podiam enxergar o que acontecia, havia uma névoa sobre o Rio de Janeiro. Mas eu, queria ser seus olhos.
Peguei meu fuzil. Apontei para todos. Escolhi meu alvo e atirei. Mesmo com experiência, precisei de muita munição para atingir alguns. Mas é uma guerra, querem me ferir mais. Sem dó, nem piedade.
Sinto medo. Muito medo. Meu pai era sindicalista, mas eu não nasci com a coragem de um militante. E nem com a paciência suficiente para trabalhar em escritório. Atuo de outra forma.
Uso colete para não me confundirem. Sou alto e magro e minha arma é pesada. Faço com que ela seja notada para que a respeitem. Eu mostro o resultado da batalha.
Onde eles estão, eu estou. Moro em frente ao palácio Guanabara, posso os acompanhar de perto. Não me visto de preto, mas fico na sombra. Não sou eu que deve ser visto. Não tenho escudo e muitas vezes esqueço a máscara. O que faz arder, chorar. Atiro no escuro. Danço na multidão. Me embriago no teu som, e acordo com seu grito. Pedem diretas já! Não me agrada a bipolaridade que isso tudo se tornou. Não vejo as cores da bandeira brasileira. Mas necessito registrar a cena.
O efeito passa, consigo enxergar. Mas as bombas não param de vir. Ao lado, uma mulher que não a minha, pede ajuda com os filhos, que não tenho, mas entendo. Me toca. Largo a arma. Minha forma de combate se altera, por pouco tempo deixei o profissional, virei gente. Dessa vez não senti medo, senti raiva. Indignação por ter cano apontado contra quem só tem a voz para se defender.
Atuar na rua é quase um esporte. Tem mais adrenalina que a onda que te pega e faz surfar, exige mais esforço e persistência que o ato de escalar uma montanha. Mas ali você possui treinamento, equipamento de segurança que, para quem noticia também é possível, mas para os civis que compõem o ato contra as reformas de um governante de Estado, se arriscam ali, de peito aberto, a afundar quem já está se afogando em um mar de corrupções.
Meu trabalho já rodou o mundo. Mas nem todo mundo já viu meu trabalho. Forneço para a pequena mídia. Ela paga pouco, mas não compactua com o patinho amarelo. Nem com eles, os fardados.
Me distraí. Levaram meu material. Me ferrei! Não tinha seguro. Nessas horas que uma câmera pequena e rápida faz falta. Também sinto falta de força... nas pernas. Nem ouvi barulho, mas me atingiram. Não era borracha, me perfuraram com aço. A pólvora queimava em meu peito. Aos 46 anos, eu já não tinha seguro, de vida.
Tive que balançar as mãos como em uma palestra para que entendessem: minha arma era uma câmera. Minha mente um ato político.  Não foi a biologia, o fotojornalismo me trouxe de volta.
As denúncias não param, Alberto também não. Qual o próximo ataque?

             -Nina Campos

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