A esposa abriu vagamente os olhos, ainda sonolenta. Viu o marido, àquela hora da madrugada, ainda vidrado na tela do notebook.
— Você não vai dormir? — perguntou ela.
— Já vou, meu bem. Estou terminando de editar algumas fotos. — respondeu o marido, sem ao menos desviar os olhos da tela.
Mas não era o término das edições de seu intenso trabalho que impedia Alberto de dormir.
Na semana anterior, a oportunidade de fotografar um grande protesto o enchera de expectativas. Estava feliz com a recente troca de trabalho, e queria iniciar seu projeto. Sabia que, no futuro, as gerações seguintes olhariam para trás e buscariam informações sobre o conturbado momento político. Com o projeto, Alberto desejava refletir seus ideais, produzir tais informações por meio da fotografia; e os protestos, àquela altura, eram a expressão máxima dos anseios da população perante as intempéries políticas.
No dia da manifestação, o fotógrafo chegou cedo, tal como o pelotão policial. Clic. Clic. Clic. Alberto procurava um bom lugar para capturar boas imagens. À medida que as pessoas chegavam, as imagens agradavam mais o fotógrafo. Tinha como característica única o ato de fotografar, sempre. Perseguia o retrato da realidade, dos fatos. Alberto deixava transparente suas motivações e ideologias, o que não o impedia de manter a exata essência das fotos, ainda que desagradasse à alguns. Era um sonhador, um adepto das mais singelas causas humanas.
O protesto seguia pelas avenidas, com cada vez mais pessoas. O fotógrafo se misturou, parando esporadicamente para fotografar. Porém, algo vinha lhe chamando a atenção: as discussões entre manifestantes e policiais. Clic. Clic. Clic. Por vezes, a necessidade de se omitir incomodava Alberto. Mas sabia que tinha um trabalho, uma filosofia. Sua contribuição era o retrato, e procurou se manter sereno.
Os nervos aumentaram, e a brutalidade dos policiais foi respondida com objetos lançados pelos manifestantes. Clic. Alberto sentiu a tensão, tal como as outras pessoas. Um dos policiais gritou algo inaudível à distância que o fotógrafo se encontrava, mas sua ação deixou claro que não havia mais paciência. Deu o sinal, e seus iguais prepararam bombas de efeito moral. Clic. Uma das bombas explodiu ao seu lado, assustando o fotógrafo, que amedrontou- se com a situação. Ao focar nos policiais mais uma vez, sentiu o ar pesado com o gás lacrimogênio. Não conseguiu fotografar, e correu, assim como os manifestantes.
Naquele momento, o conflito já havia tomado conta do ato. Alberto sentia a tensão, o medo. Entretanto, procurava uma forma de fotografar a repressão que acontecia. A distância da democracia, que tanto o entristecia. Procurou coragem, esfregou os olhos e pegou a câmera. Só então percebeu os alarmantes gritos de uma mulher, desesperada com o avanço dos policiais. Ao que parecia, o carrinho de seu bebê não se movia. Alberto travou por alguns segundos, repleto de indecisão. O ato de fotografar não mais lhe parecia o certo. Largou a câmera. Uma bomba explodiu a poucos metros. A mulher gritava, gesticulava. Instintivamente, Alberto ergueu o carrinho, já à beira do desespero. Correu, o mais rápido que podia. E, de forma heroica, análoga à sua posição de fotógrafo, o qual foge dos holofotes, havia salvado o bebê.
Alberto piscou. Já era madrugada, e ainda estava à frente de seu notebook. O conflito de decisões a qual se vira submetido roubava-lhe o sono. Afinal, acima de sua nova profissão, era humano, e nem sempre iria conseguir se manter alheio aos acontecimentos.
No entanto, estava feliz. Sabia da importância do que escolhera fazer. Cada foto contava uma história, e para Alberto, era uma arma para suas críticas: em cada fotografia, sua ideologia, seus medos, suas vivências e suas vontades transpareciam. A vivência de retratar os fatos, a vontade de refletir determinado momento; sabia que, se não fosse sua fotografia, o evento se perderia na história dos fatos. Suas fotografias eram um retrato do real, além do subjetivismo da sociedade.
E estas fotografias, para Alberto, eram seu mais belo retrato.
Amon Valapar
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