segunda-feira, 19 de junho de 2017

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    Sou um acúmulo de sessenta e cinco por cento de oxigênio, dezoito por cento de carbono e um de fósforo. Entre um sonho e outro, lembro que sou um corpo formado por tecidos, ossos e músculos. Sou a repetição infinita e exata de todo o mundo. Não sou um mundo. Todos meus sentimentos já foram experimentados, todos meus sonhos, vividos. Todas as dores que me consomem nesse instante não são exclusivas.
         Certo dia vi a foto do corpo de um homem que havia acabado de se jogar de um prédio. E o que leva uma pessoa a persistir na própria vida? Até suas reflexões e vazios são pouco originais. Na tentativa sempre frustrada de sermos especiais, nos perdemos. Nosso caminho é o mesmo. Angústia.
         Não sou suicida. Sei que a morte não responde às minhas inúmeras questões. Quem dera fosse simples desse jeito. Insisto na idéia de buscar sentidos, pequenas explosões de emoção. Sou medíocre, como qualquer um. Alguém que não admite ser insignificante, ou menos que isso.
         Tenho algumas políticas próprias. Não vou a enterros, não abro guarda chuvas (mesmo durante as tempestades mais ferozes), não seguro o choro e nem o riso (mesmo nas situações mais inconvenientes). Talvez isso me faça crer que sou diferente. Pois, declaro, de uma vez por todas, que não o sou!
         Admiro quem tem fé: não tenho. Sempre me faltou capacidade de acreditar que existe algo acima de mim. Ego. Igrejas me dão náuseas. São altas demais, grandiosas demais e me põem no meu lugar. Quanta pequenez! Detesto estar no meu lugar.
         Sou previsível. Não me espanta mais meu egocentrismo. Mesmo quando pretendo falar do tudo, do nada ou dos outros, acabo falando de mim. fim

Eduardo Galeano

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