segunda-feira, 19 de junho de 2017

Mais um Dia

A cidade ficava linda vista de cima do parapeito da ponte principal que cortava seus bairros. Havia luz no meio da escuridão e mesmo que o barulho de carros, motos e caminhões fosse constante, era possível sentir a calma da cidade vista de um ângulo não tão próximo. Respirou fundo o cheiro de maresia e olhou para baixo, vendo água, apenas água. Balançou os pés, vendo suas botas surradas indo para frente e para trás, os cadarços desamarrados voando com o vento e aquela sensação gostosa de liberdade... ele se sentia livre quando estava assim, imerso nele mesmo, se colocando em pontos extremos, como: altura. Muitas pessoas não chegariam nem perto do parapeito daquela ponte, mas ele não, ele estava ali sentado há minutos e ficaria por horas se fosse necessário, seria muito melhor do que estar em casa e ver seu pai batendo em sua irmã ou quebrando algo só por não ter dinheiro para comprar mais bebida. Aquilo estava passando dos limites, se é que já houve algum! Antes seu pai não era capaz de encostar em Elle, sempre descontava suas frustrações no corpo do filho mais velho, porém depois de perder o emprego, sua fúria parecia ter triplicado e agora, a menina de quatorze anos também sofria nas mãos de quem era para ser seu maior herói.
Levou as mãos até o capuz e o puxou, escondendo sua touca preta, se escondendo em suas roupas o máximo que podia. Reflexo. Puro reflexo. Lembrar de seu pai e do que sofria nas mãos do homem, lhe fazia querer se esconder, se proteger, fugir ou simplesmente sumir, virar poeira quem sabe... não era má ideia. Riu nasalmente e um sorriso irônico abriu no canto dos lábios enquanto pensava naquelas bobagens, nunca poderia fugir.
Colocou ambas as mãos no cimento frio, como se fosse tomar um impulso, e olhou para baixo. A água estava calma e a distância era grande, poderia ser fatal, não podia? Ele poderia morrer calmamente naquela queda. Seria como voar ou como se libertar finalmente dessas correntes que prendiam seu corpo naquele mundo que nunca lhe deu nada além de socos e ponta-pés.
Algo vibrou no bolso de seu casaco e ele parou. O que seria? Ele não tinha créditos e nada do tipo, o que seria? Oh, provavelmente sua operadora ameaçando bloquear sua linha por falta de créditos há tanto tempo. Ajeitou-se novamente no cimento e usou uma mão para pegar o aparelho um tanto ultrapassado, a tela rachada e quebrada em alguns pontos, mas estava tudo bom o suficiente para ele conseguir ler o SMS que brilhava na tela.
“James (22h10): Você precisa sobreviver, cara. Não desista!”
Sorriu e ficou encarando a tela até a mesma se apagar por falta de contato, no entanto, ele ainda estava olhando para aquele aparelho. No mínimo recebia três mensagens daquela por dia, uma de manhã, uma de tarde e uma de noite, sempre do mesmo amigo. Ele recebia amor e sentia esse amor mesmo que em poucas linhas de uma mensagem eletrônica. Não estava sozinho, sabia que não. E por isso, justamente por isso, Mark sobreviveu.
Estava vivo por mais um dia.

JACKSON

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